A tarde de 30 de dezembro poderia se passar despercebida, sendo apenas mais uma tarde de inverno comum. Não estava nevando, ou chovendo granizo. Não haveria um baile ou um concerto, ou até mesmo um simples jantar fora. Pode-se dizer que a única coisa fora de seu estado habitual era a de que eu passei aquela tarde em meu escritório no Mármore, e não no Escritório Central, mas o amontoado de papel era o mesmo.
Porém, há de ter um motivo para se falar especificamente de 30 de dezembro.
Até então, haviam se passado nove dias desde da festa de patinação da Condessa Gamoltova, mas não há razões para aqui falar deste período de dias passados, já que também não aconteceram nada em especial. E se meu leitor perguntas se vi o príncipe durante aquele período de tempo, creio que irei o desapontar. Na verdade, minto. Recordo-me que apenas o vira na igreja, e demos um cumprimento de chapéu. Mas então, na tarde de 30 de dezembro, logo após o bater das 3 horas, e quase que subitamente, o inesperado aconteceu.
Eu estava sentado á minha pequena escrivaninha, em meio de lá papéis e documentos; contudo, ouvi as três características batidas na porta, com um empregado surgindo e dizendo estas seguintes palavras:
- Com licença, Sua Alteza Imperial, mas a Sua Serenidade, o Capitão Príncipe Ivan Aleksandrovich está a espera do senhor na sala redonda.
Não choque-se, caro leitor, pois eu mesmo ficara mais chocado que qualquer um, com a posição paralisada e o surgimento de um frio na barriga logo assim que ouvi a frase, e que agora eu sinto a mesma sensação enquanto relembro desta cena e a escrevo neste papel.
Incrédulo, eu lembro também de ter perguntado dois ou três "O quê?" ao pobre empregado, que respondera com a mesma serenidade. Porém, mesmo assim, eu não acreditei. Deveria eu ficar surpreso ou feliz? Preocupado ou investigativo? "O príncipe Yatskov? Aqui? Mas o que ele quer aqui? Será que irá me pedir algum favor na infantaria? Oh céus, como está bem cabelo? Está bem penteado ", falava para mim mesmo.
O príncipe realmente estava lá, parado naquela sala no Mármore. Ele fizera menção em não tirar o casaco, ainda com aquele pesado e longo vestimento de frio da infantaria russa, falando com a minha esposa que o recebera. Nas mãos, ele segurava o seu quepe branco e limpo, mas debaixo dos braços, um pequeno embrulho vermelho.
Devo-lhes dizer que eu parecia um adolescente lá, quase de volta a baixa estatura, magreza e sem o jeito correto de caminhar, tímido e recluído. E nos outros, mas precisamente nas crianças, que ainda estavam com o lápis na mão e os livros de caligrafia juntinhos, havia nelas aquele sorisso esquesito e olhos de estranheza a pessoa nova, que diziam "Quem é essa pessoa, papai?".
Ivan Aleksandrovich, mesmo que já se passasse das 3 horas da tarde e visitas após este horário já eram consideradas adequadas, desculpou-se pela intrusão inadequada, fazendo a cortesia habitual com a todos. Yelizaveta Mavriikievna o convidava para se sentar e tomar uma xícara de chá, mas ele recusara, falando que não pretendia ficar muito tempo e só fora para o Mármore pois:
- ... desejava ver o grão-duque, mas não o encontrara na Diretoria Geral e fui informado que o senhor se encontrava em casa. Não quero incomodar, somente vim aqui para entregar um humilde presente. - disse ele em suas próprias palavras.
Uma visita seguida por uma entrega de um presente! Quem poderia imaginar? E ao levar o fato de que o próprio príncipe fizera questão de entregar pessoalmente fazia a situação muito mais especial... Porém, para mim, não era somente a situação que se fazia especial, mas também o presente em sí. E que presente era esse? Em suma, não era nada mais nada menos que um livro, embrulhado no mencionado papel-presente vermelho, com uma fita dourada muito bem feita, porém, mas aos mais atentos, já devem imaginar de qual livro se tratava, a qual o príncipe muito mais querido para mim.
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As Confissões de Konstantin Konstantinovich
Historical FictionAtravés de uma visão do velho mundo da Rússia Imperial do começo do século XX que se baliza nas severas regras de comportamento social e normas de bom-tom, embarcaremos na fascinante história do Grão-Duque Konstantin Konstantinovich, um importante m...