Tudo era feito lá, naquela mesma mansão bege da condessa Galmotova, que ficava no coração de São Petersburgo. A fina flor da sociedade russa estava elegantemente presente, vestindo suas finas roupas de patinação e usando seus melhores patins. Os convidados não passavam de 40 pessoas, mas que foram escolhidos com tanto rigor... Víamos lá as nobres moças solterias, filha dos ricos condes e barões do Império, saudando-nos com seus sorrisinhos branquinhos, todas juntas em grupo e rindo baixinho, mantendo a sororidade. Entre os convidadod, os mordomas da condessa passavam entre nós para oferecerem ajuda com a retirada ou a colocada dos patins de gelo recém afiados, ou uma xícara de chocolate quente e biscoitinhos trazida em bandeijas de prata para as crianças que os solicitavam o tempo todo, ou verificando se os convidados mais velhinhos estavam bem agasalhados e lhes explicando quem era aquele ou outro convidado que não conseguiam enxergar. Víamos também lá o príncipe Gorchakov, acompanhando por sua esposa; a nobre princesa Yusupova, ao lado do marido e dos filhos; muitos dos meus queridos primos e até mesmo Sua Majestade, o Tsar, que era grandissímos amigo da condessa, com suas filhinhas mais velhas, as grã-duquesas Olga e Tatiana.
Posso aqui dizer que havia um motivo em particular a qual a condessa dava aquela festa: o primeiro, era o de ajeitar, de algum modo, qualquer falha que o nome de sua família estivesse relacionando, já que a sua linhagem tinha um histórico de divórcios, traições e lunáticos. Afirmo que a família da condessa não era exatamente de linhagem pura nobre (e isso levava alguns olhares estranhos das senhoras e senhores da sociedade), tendo eles ganhado seu título por quase um "golpe de sorte", se assim posso dizer, já que um dos seus antepassados fora para a cama com Ekaterine II; mas eles eram extraordinariamente ricos, e era isso o que importava. A condessa Gamoltova fazia uma espetacular festa, com o esporte mais divertido que a sociedade tinha naqueles dias de inverno: a patinação. Naquele evento anual, era mostrado uma superioridade refinada, e aos olhos da sociedade, aquilo compensava, de algum modo, qualquer coisa infeliz no passado dos Gamoltov.
Naquela manhã de dezembro de 1903, meus olhos viram a mesma paisagem que via todos o anos daquela mansão. As árvores de sombra estavam despidas, mostrando apenas seus esqueletos marrons escuros, e a neve branca escondia o lugar onde em dias quentes ficara a grama verde. O vento frio do leste e a umidade do ar de inverno dava um tom mais pálido para aqueles rostos da nobreza de narizes pontiagudos e de olhos claros, deixando-os com bochechas rosadas e narizes vermelhos. A paisagem albina do jardim era minimalista e deleitosa, com alguns pontos coloridos espalhados pela imensidão branca, feitos pelas roupas dos nobres, tendo em seu final o grande lago artificial congelado que complementava a vista.
Naquela época, havia um tipo de regra que dizia que não adiantava apenas patinar no gelo; havia de ter um charme a mais na vestimenta. Casacos de pele vindos da Rue de la Paix eram vestidos pelas damas russas. Roupas de cores vivas, saias um pouco mais levantadas e chapéus enfeitados por plumas e flores... As mulheres sentadas nos trenós haviam de amostrar seus agasalhos feitos de animais de todas as partes da Europa, que eram envoltos nos grossos casacos. E a respeito da vestimenta masculina, os homens podiam escolher entre 3 tons de cores, que eram considerados os mais adequados: o preto, o azul ou o verde escuro. Um cavalheiro de fora que se apresentasse com uma roupa amarela ou de azul mais claro, certamente seria visto com maus olhos, já que essa paleta era dada exclusivamente às senhoras e às senhoritas. Deixava-se a calça reta de lado e se usava uma calça mais justa, que mostrava o desenho da perna. Acompanhados por um chapéu (uma cartola, um quepe ou um preto redondo), eles usavam sobretudos confortáveis, que os protegiam do terrível frio russo.
Não houve quedas ou um mínimo princípio de desequilíbrio por parte de um ou outro. Dentre as vozes delicadas das jovens damas e do leve som dos riscos que os patins faziam no gelo, todos faziam suas melhores posturas, levantando suas pernas suavemente para darem impulso, como dizia a etiqueta. Primeiro a perna direita, depois a esquerda. Não vá muito rápido. Ombros para trás, mantenha a cabeça levantada. Não dê muitos giros ou saltos, pode parecer deselegante. Não levante muito as pernas. Mantenha os braços juntos ao corpo.
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As Confissões de Konstantin Konstantinovich
Fiction HistoriqueAtravés de uma visão do velho mundo da Rússia Imperial do começo do século XX que se baliza nas severas regras de comportamento social e normas de bom-tom, embarcaremos na fascinante história do Grão-Duque Konstantin Konstantinovich, um importante m...