Eu não dormi a noite inteira por ficar pensando no ocorrido de ontem e, provavelmente, devo estar parecendo um zumbi, mas não me importo no momento.
Estou indo até o mercadinho perto de casa para comprar ingredientes para um brigadeiro.
Me encontro completamente desarrumada com meu short jeans desgastado, blusa bem larga e um rabo de cavalo frouxo, porque não é como se eu fosse dar de cara com algum conhecido no estabelecimento perto da minha casa às cinco da tarde, né?
Coitadinha inocente.
Balanço a cabeça para afastar minha própria repreensão mental e pego a carteira no bolso para contar o dinheiro, e talvez, eu possa ter um subconsciente maldoso, já que quando percebo, estou em pé ao lado da árvore de sempre.
No nosso lugar.
Olho ao redor e meu coração dá um salto. Eu sei que eu deveria tentar esquecer tudo e superar ela, mas é tão difícil, ainda mais se continuar a encontrando por aí.
Luna está sentada na sombra da árvore com os joelhos dobrados e a cabeça apoiada neles. Seu cabelo quase encosta na grama de tão longo.
Isso me faz lembrar da última vez que ela o cortou. Nós fomos tomar sorvete após a ida ao cabeleireiro. Solto um riso nasal com a lembrança.
Estou pensando em uma maneira de me virar e sair de fininho como se nunca tivesse ido lá, quando ela me vê.
Sabe aquele momento em que alguém te faz uma pergunta pessoal e você não pode dizer a verdade, e daí você e a pessoa ficam em um silêncio constrangedor se encarando? Então, estamos exatamente assim, só que sem a parte da pergunta.
É, eu sei, bem específico.
Quando o silêncio começa a ficar desconfortável demais, ela pigarreia.
- Oi. - Sua voz está tão baixa que quase não ouço.
Coloco minhas mechas de cabelo atrás das orelhas e cruzo os braços.
- Hum. - Me arrependo logo depois. Fala sério, quem responde alguém com "hum"?
- Olha, acho que temos que conversar. - Ela se levanta e bate na calça para tirar a sujeira da terra. - Eu não aguento mais fingir que nada aconteceu.
Cruzo os braços na altura do peito e inclino a cabeça.
- Certo, vamos começar pela sua nova melhor amiga então. - Eu queria socar a cara dela e logo depois abraçá-la enquanto pedia desculpa. - Jasmine? Sério?
A morena suspira ao se aproximar.
- Ela não é minha melhor amiga, eu só caí no corredor bem antes de você chegar e ela me ajudou. - Explica rapidamente, mas consigo perceber um leve tom irritadiço na sua voz.
Eu também estava irritada.
Sim, eu tinha sentido ciúmes. Era besteira, mas como eu poderia não sentir? Eu gosto de Luna, e essa Jasmine também, quem garante que ela não irá roubá-la de mim? Não que eu tenha alguma chance.
- Se foi apenas isso, por que você não me defendeu e apenas disse "Jas, só vamos para a aula logo"? - Esbravejo imitando a voz de Luna.
A ondulada solta um riso nasal.
- Eu definitivamente não falo desse jeito. - Mordo o lábio para conter o sorriso que queria aparecer simplesmente pelo som de sua risada.
Reviro os olhos em uma tentativa de mostrar que não estava brincando.
Ela respira fundo e se senta na grama novamente ao esfregar as mãos em seu rosto. Quando ela volta a me fitar, seguro a respiração.
- Eu queria te deixar com ciúmes. - Admite com um leve sorriso triste. - Fala sério, Amélie, eu gosto de você, não é possível que você não enxergue isso. - Arregalo os olhos. - Desde o início da nossa amizade eu estive gostando de você. Eu pensei que talvez você sentisse o mesmo, mas não, no primeiro sinal que eu dei você fugiu mergulhando de cabeça, literalmente.
Pressiono os lábios ao desviar o olhar para o chão.
- Me desculpa. - Me aproximo de seu corpo e sento ao seu lado.
- Se você não sente o mesmo não tem problema, eu juro, mas eu não sei se eu consigo continuar ao seu lado da mesma maneira que antes. - Seus olhos estão sem o brilho ofuscante de sempre, e eu odeio saber que sou a culpada por isso.
Nesse momento, sinto como se ela tivesse jogado uma bomba em minhas mãos e estivesse prestes a fugir, me deixando aqui no meio da explosão.
- Acho melhor eu ir pra casa. - Se levanta lentamente, como se não tivesse certeza de sua própria afirmação. - Tchau, garota chocolate.
Estou totalmente em choque, embora uma parte de mim saiba o que tenho que fazer. Eu não posso perder Luna, não depois de tudo que passamos durante todo esse tempo.
As nossas tardes na sorveteria, as reclamações sobre pessoas idiotas que temos que conviver na escola, as noites de filme no sofá da minha casa, as conversas profundas e bobas que temos na mesma medida, os passeios misteriosos, seu cheiro de maracujá...
Não posso deixá-la virar uma desconhecida novamente. Não depois de ter feito até uma missão apenas para saber seu nome. Eu não posso perder a garota que conseguiu me fazer pular de um penhasco. Não posso perder a garota que me faz sentir viva.
Antes que eu pudesse pensar mais e me impedir, corro atrás de Luna o mais rápido que meu sedentarismo permite.
A minha garota chocolate não tinha ido tão longe, então quando estou perto o bastante, pulo em cima dela. E claro, como eu tenho péssimas ideias, nós caímos rolando na grama.
- Amélie - Grita ao atingirmos o chão.
- Por favor, só para por um tempinho e me escuta. - Aperto meus braços ao seu redor, e sinto sua respiração falhar.
- Bom, não tenho como me mover com você em cima de mim, então...
Levanto a cabeça que estava enterrada em suas costas e a vejo me encarando de soslaio com uma careta no rosto.
- Ah, certo. - Me levantei devagar e estendi minha mão para ajudá-la a ficar em pé.
Nós ficamos nos encarando de mãos dadas, e tive que me segurar para não surtar, até que a morena decide quebrar o silêncio pela segunda vez hoje.
- Hum... o que você quer que eu escute? - Questiona com as sobrancelhas elevadas.
Antes que pudesse perder a coragem por pensar demais, seguro seu rosto em minhas mãos e a beijo.
Sim. Eu, Amélie, beijo Luna.
Seus lábios pressionados contra os meus é algo tão certo que me sinto como se estivesse em um filme de comédia romântica.
É como dizem nos livros, eu realmente poderia viver neste momento para sempre.
Eu e ela somos a melhor combinação.
Maracujá com chocolate.
- Eu também gosto de você, garota maracujá. - Confesso depois de me afastar.
Luna dá um pequeno sorriso e aperta suas mãos nas minhas.
- As pessoas estavam certas.
- Sobre o que? - Pergunto franzindo o cenho.
Ela fixa seu olhar no meu e seus olhos estão brilhando novamente. Agora, me sinto feliz em saber que sou a culpada por isso.
- Maracujá com chocolate. - Seu sorriso se alarga. - Realmente é uma combinação maravilhosa.
Retribuo o sorriso e, finalmente, entendo o gosto das pessoas por sorvete de maracujá com pedaços de chocolate por completo.
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Maracujá com Chocolate
RomanceAmélie nunca gostou de mudanças em sua humilde vida monótona de adolescente, mas após trocar poucas palavras com a misteriosa garota de sua nova escola, ela começa a perceber que reviravoltas talvez não sejam tão ruins quanto sua imaginação fazia pa...