Capítulo 1: O Encontro

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Alane Dias caminhava pelas ruas coloridas de Belém do Pará, onde os cheiros de tacacá e açaí misturavam-se ao ritmo vibrante do carimbó. Desde pequena, a dança fazia parte de sua vida, e seus movimentos fluidos refletiam sua paixão e herança cultural. Com 25 anos, sentia que era hora de explorar novos horizontes e decidiu mudar-se para o Rio de Janeiro, em busca de oportunidades e crescimento.

-Alane, tem certeza que quer ir para tão longe? perguntou sua mãe, com um tom de preocupação

-Sim, mãe. Sinto que preciso disso. A dança está me chamando para outros lugares, respondeu Alane com um sorriso no rosto.

No Rio de Janeiro, a vida não era fácil, mas Alane logo encontrou um pequeno apartamento em Niterói e começou a frequentar academias de dança e eventos culturais. Sua energia contagiante e talento inegável a ajudaram a se destacar rapidamente.

Fernanda Bande, por outro lado, estava em um ponto diferente de sua vida. Com 32 anos, era mãe de dois filhos, Marcelo e Laura. Marcelo, de 11 anos, tinha necessidades especiais, o que tornava o dia a dia desafiador. Fernanda, porém, era uma guerreira. Formada em moda e confeiteira de mão cheia, conseguira abrir uma confeitaria após anos de luta e dedicação. A rotina era puxada, e ela não tinha paciência para distrações ou desorganização.

Em uma tarde ensolarada, Alane entrou na confeitaria de Fernanda pela primeira vez, procurando um espaço para ensaiar com seu grupo de dança. O cheiro de bolo recém-assado encheu seus sentidos, e ela foi recebida por Fernanda, que estava no balcão, com uma postura firme e olhar intenso.

-Boa tarde, como posso ajudar? perguntou Fernanda, sem esboçar um sorriso.

-Boa tarde! Eu sou Alane, sou dançarina. Um amigo me disse que você tem um salão aqui que talvez possamos usar para ensaiar. Poderíamos conversar sobre isso? respondeu Alane, animada.

Fernanda olhou para Alane de cima a baixo, avaliando-a. -O salão está disponível após o expediente. Mas preciso que mantenham tudo em ordem. Não tolero bagunça.

-Claro, sem problemas! Nós somos muito organizados, assegurou Alane, sentindo-se um pouco intimidada pela atitude de Fernanda.

-Veremos, respondeu Fernanda, entregando a chave do salão a Alane. -O ensaio termina às 22h. Eu fecho a confeitaria às 22h30. Se atrasarem, não hesitarei em trancar a porta.

Os ensaios começaram, e Alane e seu grupo de dança usaram o salão da confeitaria de Fernanda. Fernanda observava de longe, mantendo uma postura rígida, atenta a qualquer deslize.

Certo dia, após um ensaio especialmente intenso, Alane se aproximou de Fernanda.

-Você sabe, eu realmente gostaria de te ver dançar, disse Alane, os olhos brilhando com um misto de curiosidade e admiração.

Fernanda riu, mas não de um jeito amigável. -Ah, faz tanto tempo que não danço assim... e não tenho tempo para essas coisas agora.

-Quem sabe um dia, insistiu Alane, tentando quebrar a barreira.

-Eu cuido do meu negócio e da minha família. Não tenho tempo para fantasias, respondeu Fernanda friamente, encerrando a conversa.

Nas semanas que se seguiram, a relação entre Alane e Fernanda se manteve tensa. Alane tentava ser amigável, mas Fernanda era sempre direta e exigente. Certo dia, durante um ensaio, Alane acidentalmente derrubou um pote de glacê que Fernanda deixara sobre uma mesa.

Fernanda entrou no salão no exato momento e viu o desastre. -O que foi isso? Vocês acham que podem simplesmente vir aqui e fazer o que quiserem?- disse Fernanda, sua voz elevada.

-Desculpe, foi um acidente! Vamos limpar tudo, disse Alane, sentindo-se mortificada.

-Espero que sim. Porque se isso acontecer de novo, vocês estão fora daqui, declarou Fernanda, virando-se e saindo do salão.

Depois do incidente, Alane decidiu tentar uma abordagem diferente. Comprou flores e foi até a confeitaria na esperança de melhorar a situação. Ao entrar, viu Fernanda no balcão, concentrada em decorar um bolo.

-Fernanda, eu queria me desculpar pelo incidente e... trazer essas flores como um pedido de desculpas, disse Alane, oferecendo o buquê.

Fernanda levantou os olhos, sem emoção. -Flores não vão limpar meu salão, Alane. Agradeço o gesto, mas prefiro ações a palavras.

-Entendo. Eu realmente sinto muito. Vamos nos certificar de que não aconteça novamente, prometeu Alane.

-Veremos, foi a única resposta de Fernanda antes de voltar ao seu trabalho.

Com o passar do tempo, a tensão entre Alane e Fernanda se tornou palpável. Alane continuava a frequentar a confeitaria não só para os ensaios, mas também para tentar criar uma conexão com Fernanda. No entanto, Fernanda sempre mantinha uma postura distante e reservada.

Um dia, enquanto Alane decorava um bolo sob a supervisão de Fernanda, ela perguntou: -Fernanda, como você consegue equilibrar tudo? Trabalho, filhos, ainda encontrar tempo para suas paixões...

Fernanda suspirou, mas não sorriu. -Não é fácil. Mas quando você ama algo, você encontra uma forma. A dança e a confeitaria são minhas paixões. Elas me dão forças para continuar.

-Você é incrível, sabia? disse Alane, tentando romper a barreira.

Fernanda apenas olhou para Alane, sem emoção. -Obrigada, mas não preciso de elogios. Preciso de resultados.

Uma noite, após um evento de dança no Parque Lage, Alane e Fernanda se encontraram sozinhas no salão de festas. O lugar estava silencioso, iluminado apenas pela luz suave das estrelas que entrava pelas janelas.

-Queria te agradecer por deixar a gente usar seu espaço de trabalho pra ensaiar.. disse Alane, ainda sob o efeito da adrenalina da performance. "Adorei ver você assistindo, sabia? Foi a primeira vez que vi seus olhos brilhando depois de quase 1 mês "trabalhando" com você.

Fernanda sorriu levemente, mas seu sorriso não chegou aos olhos. -Você foi bem, Alane. Mas espero que mantenha o profissionalismo aqui na confeitaria.

Alane sentiu uma pontada de frustração. -Fernanda, desde que nos conhecemos, sinto que há uma barreira entre nós. Eu só quero ser sua amiga, entender melhor você.

Fernanda, surpresa, olhou nos olhos de Alane. -Eu não preciso de amigos, Alane. Tenho responsabilidades, filhos para cuidar. Não posso me dar ao luxo de distrações.

Alane segurou a mão de Fernanda, tentando transmitir sua sinceridade. -Eu só quero ajudar. Você não precisa fazer tudo sozinha.

Fernanda puxou a mão de volta, sua expressão endurecendo. -Eu sei o que preciso fazer, Alane. Se você realmente quer ajudar, mantenha-se focada e não me cause mais problemas.

Os dias seguintes foram de tentativas frustradas de Alane para se aproximar de Fernanda. Alane passou a ajudar Fernanda não só na confeitaria, mas também com as crianças. Marcelo e Laura adoraram a companhia de Alane, especialmente Laura, que se encantava com as histórias e danças de Alane.

-Alane, você pode me ensinar a dançar assim? pediu Laura um dia, com os olhos brilhando de entusiasmo.

-Claro, pequena! Vamos começar agora mesmo, respondeu Alane, pegando Laura pela mão e começando a ensinar alguns passos básicos.

Fernanda observava a cena com o coração dividido entre amor e cautela. Ela nunca imaginou que encontraria alguém que trouxesse tanta alegria para seus filhos, mas também não podia baixar a guarda.

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