Prólogo.

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A DOR É UMA SENSAÇÃO DESAGRADÁVEL QUE, geralmente, está associada a uma lesão física; um sintoma fundamental que alerta o indivíduo de que algo está errado com o corpo, necessitando de cuidados médicos. Uma vida sem dor é uma vida repleta de perigos, e aqueles que não a possuem frequentemente morrem antes de completarem a maior idade, seja por conta de ferimentos e doenças que não foram tratados durante a infância ou por conflitos que envolvem brigas, onde a vantagem é temporária para quem não conseguem impor as próprias limitações.

Enquanto segurava o homem com firmeza, os músculos dos braços dela se contraíram. Uma mão empurrava a nuca do bruxo contra o chão, enquanto a outra torcia o braço nas costas, impedindo-o de se mover por mais que tentasse. Apesar das posições que se encontravam, a mulher ruiva estava em um estado pior que o dele, que apenas ofegava com um sorriso selvagem, sua pele desmanchando gradualmente. O esforço estampava seu rosto e o sangue escorria pela lateral de seu corpo, fruto de um ferimento antigo que se abriu com os movimentos bruscos; suas roupas estavam rasgadas e a doença a corroía. Impedir a maldição de se espalhar deveria ser a prioridade, mas não era.

⸺ Onde está Sammy? ⸺ Ela perguntou com os dentes cerrados, apertando a mandíbula ao sentir o sabor metálico invadir seu paladar. Era sangue. Seu sangue. Mesmo que não pudesse sentir isso.

Bruxo sorriu, nenhum pouco intimidado. ⸺Você deveria começar a procurar ele no inferno.

Um brilho surgiu da mão inutilizada, cegando-a em questão de segundos. Ela sentiu o cheiro pútrido de carne queimada e ouviu os ruídos de vidros se quebrando nos arredores, ele murmurava orações em antigas em latim e conforme conjurava os feitiços, o armazém parecia querer desabar sobre eles. O homem estava disposto a morrer e a levá-la com ele. Seus olhos se fecharam com a poeira e, quando se abriram, Angelina não ficou surpresa ao se ver deitada no chão de seu quarto, embora estivesse secretamente aliviada por ser só mais um de seus pesadelos sobre o passado.

⸺ Ge? Já está pronta? ⸺ As três batidas na porta a deixaram consciente de seus compromissos com Tom e de como os havia esquecido, negligenciando-os até o último instante. Sem escolha e com medo de decepcionar a única pessoa que se importa com ela, Angelina fez o impensável: retirou as roupas do corpo enquanto molhava o cabelo com água da garrafa, cobrindo o carpete ensopado com o lençol da cama. Quando Tom abriu a fresta, rapidamente a fechou, um rubor enfeitando suas feições ao ver a toalha que mal a cobria. ⸺ Desculpa, pensei que você estava arrumada.

⸺ Acabei de sair do banho. ⸺ Angelina mentiu sem hesitar, finalmente separando alguma roupa para vestir no aniversário do filho de seu amigo. - Pode ir sem mim!

⸺ Tem certeza? ⸺ A preocupação dele era palpável, mas indesejada e, com um murmúrio de confirmação dela, ele se deu por vencido, sabendo que não saberia como encará-la no momento. ⸺ Tudo bem, eu te espero lá. Vou deixar as chaves no balcão. Não demore ou Noah vai dar um chilique!

Quando o barulho de chaves foi ouvido, Angelina se sentiu a vontade para sair do quarto e tomar um banho de verdade, o suor causado pela intensidade do pesadelo a deixou suja e somando com a água que se molhou, ela se sentia grudenta. Era tão desconfortável quanto usar uma meia molhada.

Já se passaram dois anos desde que Angelina Campbell se mudou para outra cidade e cinco anos desde a morte de Samuel McCartney. Ela nunca imaginou que viveria mais do que os dezoito anos e se surpreende todos os dias ao lembrar que completará vinte ao final de novembro, desta vez, sem a interrupção de alguma entidade sobrenatural ou um tiroteio em sua data. Deixar de caçar foi uma decisão impulsiva motivada pelo único desejo de Samuel: viver a vida como é e não sobreviver com as armas que tinha. Os humanos também podem ser monstros e ninguém nunca o viu matar nenhum, por mais que desejasse ⸺ Angelina estaria incluída se sua obsessão por matar criaturas não estivesse há muito esquecida e se Samuel não estivesse, bem, morto. Presenciar a violência a tornou indiferente a ponto de as cenas mais grotescas não despertarem o mínimo de empatia de sua parte. É repugnante o que a exposição em excesso pode fazer com alguém, mais desprezível ainda testemunhar como nenhum Campbell parecia afetado, tratando suas palavras como a histeria de uma mulher louca.

AFTER DARK ; Stefan & Klaus fanfictionOnde histórias criam vida. Descubra agora