33|Longe de casa

911 139 11
                                    


"Oh pai por favor, por favor perdoe todos os meus pecados, a água está profunda, o fundo é onde eu vivo.
Pai, por favor, há sangue por todo esses lençóis, o diabo está no espelho, ele está me encarando.
Eu sempre pensei que seria fácil, te tirar da minha mente."

RunRunRun - Dutch Melrose

ZYAN
10/Agosto
2026
Anos antes


O sangue espalhado pelos espelhos do grande banheiro deslizam lentamente até pingar no chão de mármore branco.

Meus dedos ainda cerrados ao redor do metal frio da faca, meus olhos ainda na minha imagem refletida no espelho embaçado. Cada segundo soando em minha cabeça, cada grito, cada vez que a lâmina cortava e afundava neles, cada vez que seus ossos se quebravam.

TIC TAC. TIC TAC. TIC TAC. TIC TAC. TIC TAC.

O zumbido aumentando e aumentando como se fosse estourar meus ouvidos.

- Zyan. - ele pousa a mão em meu ombro e eu pisco saindo do zumbido ensurdecedor. - Está na hora de vê-los.

Cerro os dentes e aperto com mais força o cabo da faca, meus músculos parecem doer em meu corpo e minha vontade de continuar matando e matando até completar a maldita lista cresce em meu peito como ervas daninhas.

- Não esqueça.

- É exatamente o que eu quero fazer. Esquecer! - digo por fim me afastando de sua mão.
Ele vem logo atrás de mim e pela primeira vez desde que o conheci ele não está zombando ou sendo rígido, ele está apenas tentando me ajudar e isso me incomoda pra caralho.

- Por quê diabos ainda está me seguindo? - rosno e ouço ele rir.

- É pelo Diabo mesmo que estou te seguindo, ele mandou que você fosse vê-los

Paro diante do corredor e me viro pra ele.

- Por que? O que ele ganha me torturando com algo que eu não posso ter?

- Ele não quer te torturar. - declara. Os olhos azuis de repente parecendo menos diabólicos como em todas as vezes que o vi.

- Então o que ele quer? - rosno entre dentes.

- Ele quer você vá vê-los.

- Por quê?

- Por quê ele sabe que eles são sua única âncora ao mundo real, sabe que você precisa deles para se segurar. - ele passa a mão pelo cabelo preto o sujando com o sangue ainda fresco entre os dedos.

- Eu não preciso deles e não preciso de uma âncora. Tudo o que ele quer é me torturar, tudo o que ele diz são mentiras para que concordemos com qualquer coisa.

Cerro os punhos e ele nega olhando para a parede atrás de mim.

- Meu pai pode ser tudo, menos mentiroso, pelo menos não com os que trabalham para ele.

Ele me olha e suspira antes de começar a andar para fora do lugar, tão cansado quanto eu, tão exausto e tão quebrado.

Corro a mão pelo meu rosto sentindo o sangue pegajoso em minha pele, sentindo meu corpo ficar tenso e o maldito TIC TAC soando em meus ouvidos.

Encaro minhas mãos trêmulas e começo a caminhar até a saída.

Talvez ele tenha razão, talvez eu precise da minha âncora, preciso saber que tem algo por quem lutar, mais só a ideia de ver Abby me deixa louco, só a ideia de ouvir sua voz me deixa tonto, me deixa com vontade de desistir.

Profano 02Onde histórias criam vida. Descubra agora