É hoje.
Desde ontem à tarde, depois que voltei da casa do Léo, estou aguardando pela mensagem de áudio do Odin, que disse para eu estar preparada uma hora antes dele chegar.
Mas me preparar pra quê?
Enquanto ele não chega, tento passar o tempo zapeando pelo Instagram, e tirando os vídeos e fotos que a Simone Brooks postou do festival que venceu neste fim de semana em Varna¹ - a americana ficou em primeiro lugar na modalidade Clássico e em segundo no Solo Livre -, não tem tanta coisa que valha a pena olhar.
Ter ganho tudo na Argentina e ter sido eleita a melhor bailarina aumentou bastante minha confiança. Agora sei que posso ser melhor que qualquer uma. Letícia pode repetir o quanto quiser que uma bailarina tem que se esforçar para ser melhor que ela mesma, mas eu sempre vou dançar pra vencer. Eu não consigo ter motivação se não for pra ser a primeira colocada.
Vencer Simone não representa só ser a melhor bailarina júnior do mundo. Vencer Simone significa coroar de glória minha história de luta e deixar para sempre meu nome entre as melhores.
Eu quero ser a melhor entre todas as mulheres que dançaram, e não aceito menos que isso.
Alguns podem me criticar, me acusar de ser arrogante e pretenciosa, e podem dizer que eu me acho demais. Mas se eu não chegar ao topo inalcançável para os mortais, se eu não for lembrada como a maior de todas, algo importante ficará faltando na minha vida.
Mas se ser a lenda entre as bailarinas é primordial pra mim, por que de repente isso parece tão sem importância quanto saber qual a surpresa de Odin?
Sentada na cama, só de calcinha e camiseta, zapeio sem interesse por redes sociais e aplicativos de música, e de vez em quando leio artigos sobre a tatuagem que a MC Lara fez no ânus. Tudo isso só para tentar disfarçar a ansiedade, o que se mostra inútil, já que não paro de tecer teorias.
Merda! Odeio surpresas.
Cansada de gastar a superfície dos meus dedos de tanto deslizá-los pela tela do celular, atiro o aparelho do meu lado e abraço os joelhos, bufando e escondendo a cabeça entre eles. Me levanto, dou uma volta pelo pequeno espaço entre a minha cama e a de Jordana, ando até o banheiro.
Do pequeno vitral da janela escuto os gritos, cantos e barulho de tambores e instrumentos de percussão provindos do Allianz Park. Haverá jogo às 16 horas.
Então, meu celular toca. Volto ao quarto num átimo de segundo e um sorriso se desenha em meu rosto quando vejo a foto de Odin.
Oi, bailarina, tudo bem? Abra teu guarda roupa e tira do cabide a tua camiseta do Corinthians. Vou te levar à Neo Química Arena pra gente assistir Corinthians e Flamengo.
Fico em choque por alguns segundos. Minha boca se abre, não consigo formular uma frase.
Devo estar sonhando. Eu vou ao estádio do Timão?
Cara, eu não acredito! Meu, eu nunca pisei no estádio do meu time de coração, que eu só não amo mais que o balé. Até fui convidada, quando eu morava em Campos de Jordão, a vir assistir uma partida; um vizinho meu, corintiano doente, tinha alugado uma van. Mas meus pais não me deixaram vir, pois eu tinha só catorze anos.
Eufórica, na hora respondo por áudio:
Ok, já vou me arrumar. Beijo.
Abro o guarda roupa e reviro minhas roupas, tomando cuidado para não desarrumar as de Jordana, e encontro lá embaixo uma camiseta nova, que comprei há dois meses. Faz parte do uniforme nº 1, e tem meu nome atrás: Bombom. O número dela é 10.
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O dom de voar
RomanceBombom é uma garota que estuda balé numa pequena escola de Campos do Jordão e sonha ser uma bailarina famosa, dançando em festivais importantes. O destino liga sua vida a de Letícia Espinoza, que fica impressionada com seu desempenho numa aula. Enca...