𝐶𝑎𝑝𝑖́𝑡𝑢𝑙𝑜 𝐼

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"Que arranquem as cortiças."

"Humanos são criaturas egoístas, que caminham sobre cadáveres, indiferentes aos gritos; cegos por sua fé distorcida."

As mãos ásperas dela passam por meus cabelos, eu não gosto. Empurrá-la para longe é algo que se passa em minha mente, mas não o faço, afinal ela é minha mãe. Engulo minha saliva, sentindo uma sensação de desconforto percorrer meu corpo enquanto meus olhos se fecham por um momento.

Sinto os dedos dela fazendo um laço apertado na fita que ela coloca sobre os meus cabelos, é um laço forte que faz minha cabeça doer. Lágrimas se formam no canto de meus olhos e suspiro fundo.

— Quando chegarmos você entra quieta e de boca calada, não quero ouvir suas besteiras — ela faz uma pausa, mas eu sei que logo vai voltar a falar — ao menos finja prestar atenção e não me envergonhe.

A voz dela é ácida e faz com que eu prenda minha respiração em minha garganta, meus olhos se abrindo enquanto apenas aceno com a cabeça. Não quero falar com ela.

— Você não tem boca pra responder, garota?!

O tom dela é rude e minha vontade de me derramar em lágrimas se torna mais árdua. Se eu fosse um pouco mais competente, as coisas não estariam assim. Ele estaria aqui.

— Desculpa, mãe. Sim, eu entendi. Vou ficar quieta.

Engulo em seco, minha voz baixa.

Sinto ela me soltar e observo enquanto ela sai sem dizer nenhuma palavra, é melhor assim. Acho que chegamos numa espécie de acordo silencioso de nos comunicarmos apenas em situações realmente necessárias, porque sempre que tentamos conversar acabamos chateadas uma com a outra.

Quando eu estou com ela, de alguma forma nós duas nos machucamos, então é melhor assim.

É melhor assim.

Sigo atrás dela e o tecido de meu vestido roça meu calcanhar, o que me faz andar de forma desleixada. Endireito minha coluna e postura para evitar que minha mãe diga algo ofensivo.

Minhas mãos coçam para desfazer o laço da fita, mas a dor que essa fita causa não chega nem perto da que eu mereço, então eu não a desfaço. A incógnita que sempre retorna em minha mente surge e não posso evitar de questionar.

— Mãe, você ao menos já me amou ou algo assim?

Meu tom é alto o suficiente para que ela escute, mas mesmo assim ela não responde. Talvez apenas não tenha prestado atenção, certo?
Decido seguir em silêncio porque ela parece querer silêncio. Noto quantas pessoas surgem de cantos diferentes da comunidade — odeio isso.

Forço um sorriso em meus lábios, paro de andar quando chego perto de uma pilastra e me encosto ali, meus olhos seguindo o caminho que Augusto faz até o “altar”.

Ele tem o cabelo totalmente grisalho, a barba malfeita e um corpo seco que o faz parecer um cadáver que levantou da tumba, apenas não tão apodrecido quanto aos que residem lá fora. Ele usa uma roupa de padre e anda lentamente até o “altar”, tão lentamente que me irrita.

O tal “altar” é um conjunto de placas de madeira envelhecida uma sobre a outra e eu sempre torço para que uma delas caia enquanto ele sobe, ou que ele mesmo caia.

𝘼𝙯𝙪𝙡 𝙂𝙖𝙣𝙜𝙧𝙚𝙣𝙖𝙙𝙤Onde histórias criam vida. Descubra agora