A Guerra pelo fim das Guerras.

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A Lua iluminou, em um tom vermelho ainda que esbranquiçado, as palavras que adornavam o último quadro ainda pregado nas paredes do antigo chalé. Na pintura, a mulher que hoje acreditamos ser "Mary", quem quer que esta seja, nos encarava com seu olhar de julgamento, entretanto seu rosto já não seguia o mesmo padrão, este parecia derretido. Sua pele misturava-se á carne e ossos de seu rosto, seus olhos pareciam nos seguir (mesmo que, claramente, seja um efeito não intencional), e agora, viam a fria carne do cadáver de seu marido, unidos na inexistência pela morte.

-Vocês tentaram nos manter de ver esta cena, por que?- Perguntou Theodore. -O que significa isso tudo? Por que Matthaeus... se matou?- Seu estômago embrulhou ao pensamento da cena de desespero lunático em que o velho companheiro de guerra se submeteu aos seus desejos mais insanos. A fraqueza de sua carne e mente.

-Ele queria se juntar á ela.- Killian disse. -Em seus delírios, convenceu-se que a única forma de acordar ao plano em que ela se encontra é a morte. Vejam as escritas. Ele estava louco. Essa é a herança da guerra que vocês anseiam tanto por recomeçar.- Finalizou, sinalizando ás paredes do quarto que jazia destroçado, comida podre e papéis se espalhavam por onde era possível ver, todos com anotações sem sentido do pobre, e agora morto, Xah'Viern.

-Isso se ele tiver se matado de fato.- Continuou Italus, encarando-nos como se fossemos os próprios inimigos do velho mundo. -Digam-me, pretendiam dar-nos o mesmo fim? Um "suicídio" em condições misteriosas e esquecidos pelo mundo? Em pensar que fomos todos bons amigos um dia. Realmente foi a uma vida atrás.

-Nosso maior ato de amizade foi não tê-los jogado ao mar quando tivemos a chance. Se o último herdeiro da maldita casa Rodericus e seus peões estivesse nadando junto aos peixes, reconstruir a civilização que vocês destruíram seria tão, mas tão mais fácil.- Completei.

-Cuidado com o que fala, desgraçado.- Viktor deu um passo em minha direção.- Ele ainda é seu soberano, e você ainda é o súdito dos Rodericus.- Sua voz entonava a de um cão raivoso. Italus e Viktor se preparavam, descendo suas mãos às suas armas.

-Engraçado dizer isso, Viktor. Os homens do porto seguem comandando cada passo dessa nação enquanto vocês brincam de soldados para uma guerra que já perderam.- O tilintar das manoplas ecoou pela sala ao pressionar de um botão. -Não vejo rei algum nestas terras. Menos ainda um Conde Rodericus.

-Chega!- Exclamou Theodore.

-Isso é o suficiente- Concordou Killian. -Não vamos chegar em lugar algum discutindo política aqui, além do mais, duvido que Xah'Viern iria gostar de nos ver neste estado, especialmente com seus restos mortais nos ouvindo dessa forma.- O Padre se levantou e, estendeu sua mão na direção do corpo. Em suas mãos magras, cinco anéis, representando as cinco criaturas guardiãs do condado, eram presas á correntes em o que quer que seja que se escondesse abaixo de suas vestes. No dedo do meio, o centro, a fênix se destacava em seus detalhes dourados e avermelhados. Com um movimento, a corrente do pássaro-lâmina, símbolo do sul e uma espécie de Andorinha que caça usando suas penas afiadas como lâminas, se soltou. A corrente se projetou em direção a corda em uma velocidade extrema, cortando-a com precisão e eficiência e fazendo com que o cadáver caísse com um baque seco no chão de madeira, levantando uma pequena nuvem de poeira no processo.

Ficamos em silêncio por um momento, em respeito ao ex-colega morto. Eu e Viktor levantamos o corpo, carregando-o ao lado de fora onde, junto a ferramentas já enferrujadas pela falta de cuidado, cavamos então sua cova. Killian se ajoelhou ao lado do túmulo, pegando um pequeno frasco de dentro de suas vestes e derramando-o no corpo.

-E das chamas de sua grandeza, que sobrem as cinzas de seu legado.- Uma vez mais, levantando a mão direita em direção ao corpo. -E das cinzas de seu legado, que renasça a fênix de vossa criação.- A fênix em seu dedo, reluzente á luz da lua, friccionou contra suas correntes, soltando pequenas faíscas que se tornaram fagulhas. Os três recém chegados se entreolharam, e na escuridão, seus olhos se iluminaram com a criação das chamas de dentro da cova rasa que fora cavada ao cavaleiro. As chamas rapidamente se tornaram uma fogueira, incinerando o cadáver de seu antigo aliado. Todos nós prestamos nossas continências em silêncio, o silêncio que predominava em meio as árvores retorcidas do cume desta colina.

As Crónicas do Condado.Where stories live. Discover now