[ . . . ]
— Residimos nas cinzas das eras, sob os fragmentos de um passado intangível, sobretudo vivenciado. Os ossos tremulam ao contato com as lembranças acerbas, entretanto calam-se no conforto do fogo que advém do Porto. Lembrem-se, compatriotas... Lembrem-se de nossos companheiros, daqueles cujo corpo sequer puderam ser dignamente enterrados. Lembrem-se da dor lancinante da brasa, do frio inóspito dos cumes. Não deixem com que a memória póstuma de Luccas Galadriel seja açoitada pela lã que outrora acobertavam os lobos... — Os ditos eram profanados com o ardor no peito de Viktor. O homem, brandindo sua espada manchada pelo discorrer temporal, tomava a frente. O cenário que nos volteava não era digno da magnitude do discurso, contudo refletia o cerne de nosso estigma: éramos um pequeno grupo de militares aposentados, reunidos aos confins da diminuta taverna dos campos Condais. Era o fim de mais uma das reuniões da resistência.
...
A história, o seio de nossa trajetória enquanto nação, encontra-se em um espaço difuso do inconsciente coletivo. Dada minha atuação na área da cura, tenho de transitar entre a diversidade de narrativas acerca do mesmo acontecimento. Trago, não o de maior verossimilhança, todavia uma junção daquilo cujo vivi adjunto ao que contatei por terceiros.
- O Surgimento do Império: O Condado.
Há centenas de anos atrás, a pequena comunidade condal cresceu nas províncias do Norte, levantando suas primorosas cabanas nos picos gélidos das tundras. Quanto ao império, construíram fortes ligações com a fauna mística que assegura suas raízes, domando desde ávidos grifos até as majestosas tartarugas colossais. Sobretudo, como homens de punhos fortes e grandes sonhos, não podaram suas asas na conformidade, alçando voos cada vez mais altos. Em contraponto às antigas profecias acerca da índole sádica dos escamosos, ousaram traçar vínculos com os dragões terrestres.
As relações prosperaram, propiciando as virtudes de eras gloriosas: com a brasa dos dragões de fogo, os raios dos trovejantes e gelo dos rarefeitos, alcançaram o monopólio do poderio imperial. Entretanto, o estado mancomunado desta aliança improvável culminou-se no Grande Declínio.
- O Grande Declínio: Guerra e Diáspora.
"[...] Se acham que o atual Porto é sinônimo de alguma virtuosidade, deveria de colocar os olhos na crisálida de bênçãos que banhava nosso império. Sobretudo, o nosso maior erro foi ter depositado a nossa confiança nas bestas de sangue azul. Domamos os dragões de pequena patente, sem que tivéssemos a noção das garras que transformam o controle de toda a raça: os Anciãos, aqueles que habitam o assoalho marítimo...", declara Italus Rodericus, um dos maiores guerreiros da Calamidade. Embora haja controvérsias, tal versão da história difundida é uma das principais aceitas, popularmente.
A guerra distinguiu os homens dos meninos, separou famílias e irmandades. Durante árduas 80 noites de caos e desolação, os oriundos do Condado testemunharam todo o império reduzir-se às cinzas mórbidas do que outrora fora sinônimo de lar. O pavor mutilava a população com a dolorosa fome, enquanto os guerrilheiros desafiavam a morte certeira em nome do advento da pátria amada.
Concomitante à fragilidade crescente da população e o desespero por soluções, dois grandes nomes cresceram à boca e coração do povo, com a ausência da família real — os Rodericus —, que foram à guerra. Estes eram: Killian Tohmás e Jon P. Sikeratus, respectivamente, o fundador da Igreja da Fênix e o criador dos homens do Porto. Em comunhão, foram responsáveis pela manobra política que posteriormente originou a Diáspora Condal: desviaram os fundos material e parte da força militar para a construção de uma embarcação emergencial, conhecida como a Grande Arca.