Sob a luz crua e típica da lua, que banhava a cena com uma luminosidade quase diurna, um par de olhos acompanhava, impotente, a dança frenética das chamas. O estalo da madeira queimando jogava cinzas e brasa ainda incandescentes sobre um corpo prostrado no chão. O mesmo era testemunha muda da destruição que se consumia à sua frente. Uma figura se destacava na penumbra, afastando-se com passos lentos e exibidos, enquanto a névoa da noite a cobria, deixando a promessa de vingança para trás.
|Horas Antes|
— Bom dia, prezado general. Seu rosto mostra que está com raiva e eu não o culpo. Mas tente entender — a fala calma e suave do reverendo fora interrompida por um cuspe que atinge a parte inferior de sua batina.
— Enfia essa sua ladainha no rabo, padre. Não queriam guerra? Advinha. Acabaram de declarar uma. — O general, tomado pela impulsividade, despejava ofensas e ameaças, enquanto amarras o mantinham preso à uma cadeira numa sala de fundo da capela.
Com um sorriso de disfarce protagonizando seu semblante, o padre se continha e escondia sua vontade de forçar algo sobre o homem a sua frente. Bateu a mão sobre as vestes, como sinal de limpeza, mesmo que o líquido viscoso de uma saliva desidratada não fosse simplesmente sair do tecido dispendioso.
— Somos aliados há muito tempo. Sabe bem que não existem motivos escondidos por detrás deste plano, a não ser manter a paz — mais um cuspe cheio de catarro fora ejetado da boca de Viktor, desta vez, no centro do peitoral do padre.
— Avisa aquele imigrante fedorento que cuida do porto, que não serão mais tolerados qualquer tipo de transportação sem vistoria. — o homem esbravejava com seus lábios ressecados e repleto de rachaduras — E você, eu nem preciso dizer nada. Acabou o apoio à igreja. — Finalizou, botando um sorrisinho presunçoso e esforçado em seu rosto.
— Sabe, Viktor... é mesmo uma pena. Você já foi um homem leal ao seu povo. Uma pena secretamente fazer parte do exército real de outra nação. — disse o padre, olhando para trás por cima dos ombros, acenando com a cabeça para alguém que estava alí atrás. Sons de brasa podiam ser ouvidos ao fundo.
— De que porra você tá falando? Exército de outra nação? Acha que essa historinha vai colar? — Viktor franzia a testa e sobrancelhas, totalmente descrente e zombando do que ouvia.
— Realmente, é só uma historinha. Por isso, faremos algo para provar. — O braço de um rapaz entrega ao padre um pedaço de ferro, com o símbolo de uma nação rival, ao qual já havia causado muita inconveniência ao Condado. — Uma marca, como esta, não é facilmente ignorada. — A ponta incandescente do metal aquecia o ambiente, e causava desconforto pela proximidade com o rosto de Viktor.
— Seu filho da puta traiçoeiro. E ainda se diz um homem de Deus. Não seria capaz de tamanha traição. — A raiva, misturada com o desespero, tomavam conta da fala de Viktor.
— Última chance, General. — o padre diz calmamente, enquanto aproxima o metal quente ao peito do homem.
— QUEIME NO INFERNO!! — gritou o homem, não dobrando sua lealdade e devoção a família real.
O ferro então tocou sua pele, tostando-a como um bife na chapa. O cheiro do pelo torrando era nojento, como um inseto expelindo fluídos para espantar predadores. A carne esfumaçada pouco a pouco era marcada pela queimadura, que durou um pouco a mais do necessário pela raiva do padre. Enfim, a marca estava lá, porém recente demais para ser útil em causar algum conflito. Largando o ferro ao chão, o padre segurou seu pingente e recitou algumas palavras, liberando um forte brilho que acalentava e cicatrizava a ferida. Como se já existisse há tempo demais para suspeitar. Apesar de acalentá-lo, a dor e estresse fez com que Viktor apagasse naquele momento. Marcado agora como um traidor.