Contos De Cornucópia: Vapor & Sangue

Ambição, Amor e Família.

Por estas bandas, para além do aço e do vapor, reina sob as leis da natureza humana a ambição. Ambição é uma mulher de inequívoca beleza, que balança suas ancas delineadas atraindo olhares lascivos dos rufiões e até mesmo dos fidalgos da nobreza, capaz de levar o homem aonde nem mesmo o porte de sua arma de maior potência seria párea a leva-lo. Constituída de mármore de Paros por fora, sobretudo, em seu interior, a imundície retorcia suas entranhas.

Victor e Siqueira que os diga.

[...]

Enquanto depositávamos o fardo de cédulas no vagão frontal, os esbravejos e o árduo tilintar da bala de cobre percorriam as vigas de aço do vagão. Devido à distância longínqua dos sons, as vozes misturavam-se em uma amálgama na acústica desornada, evidenciando unicamente o disparo. Como se os movimentos fossem condecorados, nos entreolhamos com os olhos arregalados.

Tom, que aconchegava as costas em um dos acentos, levantou-se em um salto, caindo ao chão com os joelhos tencionados, todavia a encaixar a palma no coldre, cujo resguardava uma de suas facas. Exclamou, com a voz rouca:

— Isso não cheira nada bem... — As pálpebras se entreabriram, afunilando os olhos em pequenos losangos.

Rod rosnou, contraindo o cantos dos lábios para baixo, em sua típica marra de homem do oeste.

— Não pensei que os 'homi' viriam tão rápido. — As palavras saiam de seus lábios com a aridez de nosso solo. Com as mãos recobertas por sua surrada luva de couro, sacou o revólver. — Vamos lá 'moiá' as palavras com o diabo.

Em um sobressalto, sob o ínfimo impacto de uma premunição, as solas de nossas botas pisoteavam o veludo carmesim do carpete, traçando — às pressas — o rumo ao penúltimo vagão.

[...]

Em decorrência de nossa chegada, fomos recepcionadas pelos olhos caídos de Jill, quais abarcavam o sentimento de pena e desespero. Suas vestes estavam amarrotadas, como quem havia de ter brigado em momentos passados. Acomodava Jack em seus braços, este que, por sua vez, vestia sua expressão em uma morbidez implacável — olhos fundos e vazios, derme manchada por olheiras acinzentadas.

— Sofremos um ataque policial. Eles vieram em seus cavalos mecânicos, creio que ainda estão por volta das redondezas. — Os lábios finos e quebradiços da mulher adejavam, tal qual o tremular de suas mãos. Seu sotaque não era como o nosso, era possível notar seus Rs acentuados. De súbito, os olhos da dama foram direcionados ao chão, recusando a olharem em nossa face. — M-Marcus foi atingido com um tiro no peito. Eu e Jack tentamos interferir, mas... Jack foi ferido. — O homem a quem se referia, nada dizia. Parecia absorto em seus próprios devaneios.

Rod tentou contestar, porém seus dizeres foram interrompidos pela mulher.

— Os batimentos dele estão fracos. Preciso que fiquem na escolta, enquanto cuido dos ferimentos de Jack. — Decidida como era, suas palavras sequer deixaram brechas para descontentamentos. O som do salto afiado alastrava-se pelo vagão, dissipando-se ao fechar da porta corrente.

Naquele instante, com o trio a sós, qualquer brisa que escorresse pela travessia dos trilhos calou-se, como o galinheiro se aquieta ante aos ruídos de uma raposa. A sensação de morte pairava sob nossos ombros, em um abraço de intensa agonia. Embora a situação em sua totalidade soasse com estranheza, os homens daquela sala eram invadidos com o temor soberano da perda.

Em contraponto, o mártir de nossas preces foram atravancados por um estrondo metálico atrás de nós, dando sequência ao arrastar agudo dos trilhos. Como se atingidos por um coice de cavalo, nos direcionamos até a pequena janela circular do vagão. Através daquele vidro manchado pela poeira trazida pelo ímpeto dos ventos, enxergamos o lobo retirar sua pele de cordeiro.