Contos 3.0

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Morte do Luck, perspectiva do Jon

31 de março de 2027-Grécia

     -Alô?-atendo a ligação, o outro lado da linha está em silêncio
-Vossa Alteza Real-uma voz me cumprimenta do outro lado da linha-aqui é Catrina, assistente de Vossa Majestade Real. Peço que volte para o hotel assim que possível, vá direto para a portaria e nos espere, o pegaremos para voltarmos para a Itália em uma hora-sua voz está nervosamente calma, o que me deixa ansioso, a ligação acaba, mas eu não contesto nada, mesmo sem entender o que está acontecendo saio do salão barulhento e vou em direção ao carro. Não entendo o porquê de voltarmos mais cedo, deveríamos voltar em dois dias, o que aconteceu que não pode esperar dois dias? Não faz sentido! Já no carro pego meu celular, minhas mão digitam mais rápido do que o meu cérebro pensa, quando vejo o contato de Mei está aberto e uma mensagem escrita pronta para enviar, hesito, não sei se devo ou não enviar isso, esse último ano foi bom, confuso, mas bom, eu e Mei acabamos desenvolvendo algo maior do que a amizade, uma parte de mim se sente culpado, como se eu estivesse traindo Jenna, por mais que nunca tenhamos realmente namorado, apenas confundimos nossos sentimentos, nunca paramos oficialmente de namorar, Jenna e eu acordamos em vivermos nossas vidas e apenas seríamos namorados para o público, porém para nós não somos mais do que amigos, melhores amigos, mas por algum motivo, por mais que eu não a namore, sinto que a estou traindo com Mei; Jenna sabe sobre mim e Mei, ela na verdade é a nossa maior fã, e Mei também sabe que oficialmente namoro Jenna, todos sabemos disso, porém, mesmo que eu e Jenna queiramos terminar, e eu e Mei queiramos oficializar, não fazemos nada, talvez por medo da mudança ou do que pode acontecer, eu não sei, eu ando pensando muito sobre tudo, sobre o que eu posso fazer, quando eu devo fazer, se eu realmente quero fazer, e também tenho que pensar nas pessoas a minha volta, já conversei com Mei sobre isso, sobre virmos a tona para o público e para nossas famílias sobre nosso relacionamento, ela fala que entende e que está tudo bem, mas eu sei que no fundo não está tudo bem, sei que ela quer poder falar que namora a mim quando alguém pergunta, sei que ela também está cansada de mentir para quem ama, eu só não sei nem o que eu sinto direito, não sei se vale a pena arriscar tudo por causa de um romance “adolescente”, não sei, não sei, não sei, é tudo confuso demais na minha cabeça, eu tento entender, pensar, mas ainda não sei o que fazer, queria poder falar com mais alguém além de Jenna e Mei sobre isso, queria poder conversar com a Izzy, porém não quero colocar essa responsabilidade, esse segredo, em suas mãos, ela já anda passando por coisas demais na vida nos últimos anos não quero colocar mais isso sobre ela, sei que ela é forte e que adoraria saber sobre a Mei, elas duas seriam ótimas amigas, Luck também a adoraria, eu sei, já pensei em contar para ele antes, o problema é que se eu contar para ele, ele contará para a Izzy que irá vir me confrontar do porquê eu não a contei antes, e provavelmente citaria ocasionalmente com papá e mamma, e bom, digamos que não acho que mamma será a mais compreensiva sobre o assunto, talvez papá entenda, mas ele concerteza ficará ao lado de mamma, e é isso que me assusta, ambos são muito companheiros, queria ter isso com alguém, e acho que encontrei isso com a Mei, mas não sei se poderemos ficar juntos, eu quero, quero mesmo, mas eu não sei, não sei, eles provavelmente não apoiariam, Mei é chinesa e pobre, pra mim isso não é o problema, mas para mamma e papá isso é impossível, eles já quebraram um pouco da tradição quando se casaram, papá sendo chileno, porém ele já era rico, nas famílias reais é muito raro se casar com uma pessoa pobre ou de outro país, alguém pobre e de outro país é raríssimo e quando acontece não é o príncipe herdeiro que se apaixona, é um visconde que nem está na linha de sucessão direito, então é, é complicado pra cacete, e eu conheço os meus pais, sei que eles tem uma mente muito fechada e difícil para se abrir para mudanças, talvez por isso eu não os tenha contado ainda e talvez por isso eu não os conte por um bom tempo.
     Chego ao hotel ainda sem nenhuma solução para o meu problema e sem ter enviado nenhuma mensagem para ninguém, até tinha pensado em mandar para Jenna ou Izzy, mas mudei de ideia. A recepção está quase vazia, a luz amarela deixa o lugar mais aconchegante, o que é bom para me acalmar, já que não consegui relaxar desde que Catrina me ligou falando para vir para cá, para falar a verdade, não estou bem desde o início do dia, acordei me sentindo enjoado após ter tido um pesadelo, estou acostumado, mas esse foi diferente, eu não estava nele, pelo menos não fisicamente, apenas a minha consciência, eu era como um narrador, o pesadelo foi com Lucca, ele estava correndo perigo, alguém estava tentando matá-lo, acordei com essa sensação ruim na boca, por isso liguei para ele essa manhã e fiquei conversando com ele e Izzy até a hora do almoço quando Graça nos obrigou a desligar, dizendo que “não se mexe no celular à mesa”, essa conversa me acalmou inicialmente, mas depois a ansiedade voltou a aumentar e ainda não diminuiu, ao ver a minha mala ao lado se um segurança ela aumenta ainda mais, e faz um arrepio passar pela minha espinha e meus pelos se eriçarem. Mamma e papá chegam e vamos para o carro, para podermos pegar o avião para a Itália, o carro está silencioso e desconfortável
-Mamma, o que está acontecendo? Por que estamos voltando mais cedo para casa?-Eu pergunto e procuro por seus olhos negros, iguais aos de Izzy, mas eles não me olham, olho então para os de papá, ele me olha, seus olhos verdes, assim como os meus e o de Luck, estão preocupados, nervosos-Papá?-ambos continuam em silêncio, não me respondem, apenas continuam em silêncio, mamma olhando para frente e papá me olha nervoso-¡Mierda! Me respondam! O que está acontecendo? Vocês estão me deixando preocupado, porra!
-Jonas, olhe essa sua boca suja! Seja respeitoso, somos seus pais!-mamma é quem fala
-Desculpe, mas vocês estão me assustando, eu não sei o que pensar, eu pergunto e vocês só ficam em silêncio, talvez se vocês me contarem o que aconteceu eu relaxe e não xingue-eles voltam a ficar em silêncio, porém quando eu ia começar a falar novamente papá me impede
-Mi hijo, acalme-se, ok? Nós também não sabemos muito bem, só o que sabemos é que está tendo um ataque no palácio e que seu irmão e sua irmã estão de reféns, não sabemos o que eles querem, a quanto tempo eles estão lá, o que está acontecendo, nada, por isso estamos indo para casa mais cedo-papá me responde calmo, mamma vira a cabeça para seu ombro e começa a chorar,
-Mas fazem anos que não atacam, não sabem o que eles querem? Como assim?
-Eu não sei, hijo, estão nos dando todas as notícias que têm, mas não são muitas, há policiais tentando falar com eles há horas, mas ninguém responde, nada, nenhum movimento, nenhuma resposta, é como se estivessem brincando conosco, nós não sabemos de nada-ele levanta uma mão e acaricia o cabelo de mamma, que continua a chorar compulsivamente-Ahora, por favor, cambia de tema o quédate en silencio. Su mamá está muy afectada. Cuando nos enteramos de la noticia, apenas podía moverse de tanto sollozar. Así que, por favor, no preguntes más nada.-assinto com a cabeça e fico em silêncio, durante o caminho tudo que se podia ouvir eram os soluços de mamma, que cortavam não apenas meu coração, mas o de papá também, saimos do carro e vamos para o jatinho, papá sempre acompanhando mamma, sabe, é isso o que eu quero, companheirismo em todos os momentos, amor, dedicação, empatia, eu quero muito, só não sei se vou conseguir ter.
     Há repórteres, policiais, samu e dezenas de pessoas em volta do palácio, todos querendo saber mais sobre o que estava ocorrendo lá dentro, assim como eu, mamma e papá. Passamos pelo portão, e flashes voam em nossas caras, repórteres batem nos vidros e fazem perguntas, que não escutamos, quando o carro finalmente para perto da porta eu sou o primeiro a descer, mamma e papá descem logo atrás de mim, meus olhos rodam o lugar a procura de Izzy e Luck, não tivemos muitas notícias nas últimas horas, só sabemos que os invasores já foram embora, e que os policiais estão lá dentro checando tudo, mas não tivemos nenhuma notícia sobre a quantidade de feridos ou até mesmo se houve alguma fatalidade. Antes de conseguir achar Izzy e, ou, Luck, vejo Jenna parada ao lado dos pais, vou para perto deles, deixando mamma e papá verem tudo direitinho e procurarem informações
-Jenna-a chamo, ela se vira para mim, seus olhos estão cheios de lágrimas e preocupados
-Jon, meu Deus-ela me abraça tremendo-você está bem-sua voz trêmula me assusta fazendo meu coração acelerar mais-você está bem, graças a Deus você está bem-ela segura meu rosto, seus olhos castanhos transbordam alívio
-Estou bem, Jenna, é claro que estou bem-levanto minhas mãos e as coloco por cima das mãos de Jenna em meu rosto-por que eu não estaria bem? Você que está aqui, não eu, você está bem?-seus olhos procuram os meus incessantemente, tremendo sem conseguir focalizar em mim
-Eu estou bem, estou assustada, mas bem, achei que você estivesse lá dentro, e simplesmente não saber se você estava bem ou não, me fez ficar apavorada, e você não respondia o celular nem nada, Deus, Jon, eu estava horrorizada com o pensamento de você poder estar morto ou machucado lá dentro-ela volta a me abraçar, ainda tremendo em meus braços, eu continuo a abraçando e fazendo carinho em suas costas, para tentar acalmá-la, mesmo enquanto a abraço meus olhos ainda procuram por sinais de meus irmãos, vejo então alguns socorristas saindo pela porta do palácio, eles estão segurando uma maca, por cima há um tecido cobrindo o corpo que está imóvel na maca, meu coração se aperta ao ver aquilo, me separo de Jenna e a olho nos olhos a avisando que irei entrar para procurar por minha irmã, para ela ir para casa e não se preocupar, ela reluta, mas logo cede.
     Entro dentro do palácio com o coração na mão, meu corpo inteiro treme em sequer pensar no que aconteceu enquanto estivemos fora, rezo a Deus para que Ele tenha protegido Lucca e Isabelle, subo as escadas e vou para o quarto de Luck primeiro, não vejo ninguém então sigo para o quarto de Izzy, meu coração se aperta mais, o quarto de Izzy não tem esconderijo, então se eles estão lá, senhor, não, não, eles não, nada aconteceu, eles estão bem, eles estão bem, eles estão bem, quando chego ao quarto de Izzy antes que eu possa abrir a porta ouço um grito, um grito de dor, de puro sofrimento, um grito que pede ajuda, um grito vindo de Isabelle, meu impulso me faz abrir a porta, meus olhos procuram por ela, mas não a acho, contudo vejo algumas pessoas na porta do banheiro, corro até lá e paro, meus olhos vêm a cena horrorizados, o sangue, há tanto sangue no chão, Isabelle sendo segurada por Lara, que chora se esforçando para segurar a amiga, de onde veio tanto sangue, me pergunto, não há como sair tanto sangue de alguém e ele estar vivo, essa conclusão me aterroriza, como alguém pode sobreviver a tanta perda de sangue, como? Isabelle grita novamente me tirando de meus pensamentos rápidos e cheios de perguntas sem respostas, fazendo meus olhos irem até ela, e então seguir o seu olhar até Luck, Luck, que está imóvel, sendo colocado numa maca por socorristas, Luck, que não mexe o peito, Luck, que está com os olhos fechados, Luck, que está morto, mi hermano, que passa por mim na maca, ele não abre os olhos, não se mexe, não ri para mim como sempre faz, Luck, não está mais aqui, não está mais vivo.
     Paro de sentir as minhas pernas, me apoio no batente da porta do banheiro sem conseguir tirar os olhos do corpo de Luck sendo tirado do quarto, quando a porta finalmente se fecha eu perco totalmente as força de minhas perna e caio de joelhos no chão, como isso pôde acontecer? Aqui era para ser seguro, um lugar que ninguém pode nos ferir, aqui é casa, família, amor e não morte, perda, perigo, que é tudo o que consigo sentir neste momento, não é possível, como assim? Como isso aconteceu? Como meu irmão morreu? Por quê? Por que ele? Por que hoje? Por quê? É só isso que preenche minha cabeça, por que mataram meu irmão? O que ele fez para merecer isso? Há tanto sangue em volta de mim, tanto sangue, sangue que deveria estar dentro de Luck, sangue que não deveria estar em minha mãos ou nas de Isabelle, sangue que deveria estar circulando pelo corpo de meu irmão, mas que agora está espalhado no chão, formando uma piscina de sangue, uma piscina que representa sofrimento, morte, angústia e dor, uma dor que dilacera meu peito me impedindo de respirar, essa dor que faz parte de todo o meu ser, essa dor que eu sinto consumir cada poro do meu corpo, essa dor imensurável, impossível de descrever, uma dor que nunca pensei que fosse sentir, agora é tudo o que sinto.
     -Izzy-entro no quarto de Izzy, meus olhos vão direto para sua cama, e como esperado, ela está lá, sentada olhando para a porta do banheiro, do mesmo jeito que tem ficado desde que Luck morreu, me aproximo dela vagarosamente, encosto em seu ombro para chamá-la novamente-Izzy-ela leva alguns segundos para responder ao meu chamado, sua cabeça se vira devagar e quando seus olhos negros finalmente encontram os meus eu volto a falar-Vamos, temos que nos arrumar para o enterro-ela não responde, apenas assente e começa a sair da cama, juntos e em silêncio vamos para seu closet, desde que Luck morreu Izzy não sai do quarto, não come e só fala quando está dormindo, é como se ela ainda estivesse presa àquele momento, como se ela ainda estivesse presenciando a morte de Lucka todo instante, não a julgo, eu também sinto como se ainda estivesse lá, com o sangue em minhas mãos, claro, ela presenciou tudo então faz sentido que ela esteja com mais dificuldade para esquecer ou simplesmente não se lembrar a todo segundo, por causa disso todos os dias eu venho aqui, a arrumo, dou banho, a alimento, durmo com ela, todos os dias, Lara estava ficando antes, mas ela não pode ficar para sempre, as aulas na faculdade já começaram, por isso ela teve que ir, agora sou eu quem fico aqui, todos no palácio estão muito abalados com o que aconteceu, e nem papá, e muito menos mamma têm condições de cuidar de Izzy, por isso eu cuido dela, é complicado, mas pelo menos sei que ela não está sozinha. Ajudo Izzy a colocar o vestido longo e preto, penteio seu cabelo e juntos saímos do quarto, descemos as escadas e vamos para o carro, no qual mamma e papá já estão, primeiro Izzy entra e logo em seguida eu, o caminho até Nápoles parece durar o triplo do que o que costuma durar, ninguém fala nada durante todo o percurso, o ar é pesado, a energia ruim consome o carro; quando finalmente chegamos à igreja sou o primeiro a sair, espero por Izzy, que pega meu braço e caminha em silêncio ao meu lado, mamma e papá vêm logo atrás, a igreja é grande, bonita e assustadora ao mesmo tempo, deixo Izzy nas cadeiras e me direciono até lá atrás junto com mamma e papá, vamos ver o caixão e dar um último adeus à Luck, primeiro a ir até Luck é mamma, ela olha para o caixão e não fala nada, apenas sorri, em seguida é papá quem vai até Luck, ele sorri fraco e então se afasta, olho para o caixão, mas não me mexo, não sei o que fazer, o que dizer, mas antes que possa sequer me mexer ouço o estrondo da porta sendo aberta, é Izzy, ela olha para o caixão e fala:
-O que, o que está acontecendo?-ela se aproxima mais do caixão, da gente, seus olhos negros tremem tentando entender-É o Luck?-ela pergunta e me olha nos olhos
-Sim-respondo sem desviar o olhar, ela parece lúcida, lúcida como a muito tempo não ficava
-Então, por que ele está num caixão-ela pergunta olhando para mamma e papá-Ele queria ser cremado, ele sempre disse que queria ser cremado, não enterrado-ela se aproxima do caixão em silêncio e olha para Luck, sem tirar os olhos dele ela continua-ele sempre, sempre disse, cremado, não enterrado, ele tem fobia com espaços pequenos, ele, ele quer ser cremado, ele me disse, cremado-Izzy levanta a cabeça e direciona seus olhos negros até mim- cremado, não enterrado-ela afirma, sem dúvida na voz, como se mandasse que parássemos tudo e o cremássemos, olho em volta para ver o que mamma fará, mas ela não se move, está abraçada a papá, então percebo que a pessoa a fazer algo terá de ser eu
-Izzy
-NÃO-ela me interrompe com o grito, assustando a todos no cômodo-Não me chame assim, só Lucca pode me chamar assim, só ele-ela abaixa o olhar para Luck novamente e não fala nada
-Desculpe-me, Belle, não podemos cremá-lo, não mais, já está tudo pronto para o enterro, todos os nossos parentes estão aqui, toda a Itália, o mundo, está nos esperando ali fora, para enterrá-lo, não podemos mudar os planos, não agora, sei que não é o que ele queria, mas é o que temos a oferecer, então, por favor, vamos sair daqui, para que fechem o caixão e possamos enterrá-lo, e, pelo menos tentar, seguir em frente
-Seguir em frente, Jon? Seguir em frente? Você está falando do nosso IRMÃO, não de algum desconhecido, não dá pra só seguir em frente depois do enterro-ela me olha com raiva, pura raiva brilha em seus olhos, ela anda até mim e aponta o dedo em minha cara-se você acha que enterrar nosso irmão é o melhor saiba que é só para você, porque com certeza não é o melhor para ele
-Ele está morto, Isabelle-exaspero ao perder a paciência-Ele não liga para nada, ele se foi. E eu tenho certeza de que se ele estivesse aqui ele não ligaria se seria enterrado ou cremado, você só quer que ele seja cremado porque é melhor para você, porque quando você o vir enterrado perceberá que é real e que ele se foi, algo que você, vocês, têm negado sua morte desde que ele se foi-levanto o olhar para meus pais, que apenas observam a discussão-  mas querem saber, ele está morto, então, foda-se se ele queria ser cremado ou não, já foi feito e não há como mudar, então, sim, ele será enterrado- silêncio absoluto se faz depois que termino de falar, Iz-Belle me olha com desprezo, um olhar que nunca imaginei receber dela algum dia na minha vida, mas ela não responde, não diz nada nem se meche. Após alguns minutos de total silêncio somos chamados, porque o enterro já ia começar, mamma, papá e Belle saem, mas antes de ir eu vou até Luck, ao chegar no caixão olho para seu corpo, imóvel, pálido, sem nenhum traço de seu sorriso habitual, nenhuma expressão, meus olhos passeiam por seu corpo à procura de qualquer sinal de vida, mas não encontram, mesmo sabendo que ele está morto há uma semana ainda espero que se o olhar mais uma vez ele sorrirá para mim, que nem fez antes de eu entrar no avião, me abraçou e sorriu, um sorriso que mostrava todos os dentes, um sorriso que chegava até os olhos, um sorriso que eu nunca vou esquecer, assim como nunca vou me esquecer da sensação de seu abraço, da sensação de o abraçar e ele ser mais alto do que eu, da sensação de orgulho que percorreu meu corpo naquele dia, ao olhar para mi hermanito e ver o homem que ele estava se tornando, assim como não me esquecerei de seu cheiro, ou o som de sua risada, nunca, nunca me esquecerei de nada dele, após me despedir de Luck saio da salinha e vou para onde Belle, mamma e papá estão. O enterro acontece, e ao decorrer dele percebo que Belle, já voltou para seu estado de transe, que tem estado desde que Luck morrera, mamma e papá ficaram juntos durante todo o tempo, um se segurando no outro para não desmoronar e que fiquei lá, assistindo à tudo.
     Ao chegar em casa me dou conta de que a partir de agora terei que viver, como vivia antes, viver e seguir em frente, sorrir, dançar, escrever, seguir em frente, mas sinceramente não sei como o farei, é estranho estar em casa e ao mesmo tempo não se sentir em casa, desde que Lucca se foi a casa fica em silêncio constante, ninguém anda pelos corredores, Belle não toca em seu piano preenchendo o corredor com o som de sua linda voz, nem Lucca grita em desapontamento por ter perdido mais uma partida de seu jogo, nem nada, nem mesmo o som do aspirador de pó, nada, fazendo esse silêncio ser sufocante, o tipo de silêncio que faz a sua mente rodar um silêncio absurdamente alto, aquele tipo de silêncio que tem sentimento, aquele que aperta a sua garganta, mas te proíbe de chorar, o qual revela qualquer barulho feito, um silêncio comunal, no qual dá para ouvir uma agulha cair no chão, normalmente gosto do silêncio, aprecio ele, mas agora tudo o que quero o som infernal do aspirador de pó, ou do piano de Belle sendo tocado repetidas vezes a mesma música até que Belle a considere perfeita e até mesmo os gritos de Luck no meio da madrugada ao ganhar uma partida, qualquer barulho, qualquer coisa que conseguisse fazer com que meu cérebro não pensasse em tudo, algum barulho que me enchesse tanto a cabeça que nem meus fones de ouvido iriam o impedir de entrar em meus ouvidos, ou que turbulasse tanto minha cabeça que me proibisse de me olhar no espelho e enxegar meu irmão, um barulho que indicasse que ele ainda está aqui, qualquer barulho, mas não há, não há nenhum barulho, nenhum, então nada me impede de me olhar no espelho à procura de meu irmão, de olhar meu reflexo no espelho e ver os mesmos olhos que vi sem vida há alguns dias, de ver o mesmo cabelo dourado, que em mim está brilhante e penteado para trás, mas que em Luck costumava ficar solto e desengonçado, mas que hoje estava penteado assim como o meu, não me impede de cair no chão do banheiro e desabar, nenhum barulho me impede de gritar, me impede de sentir o sangue dele em minhas mãos, nenhum barulho me impede de ouvir o grito de Belle naquele dia, o grito que ainda ouço claramente em minha mente, o mesmo grito que sai de meus pulmões hoje, um grito que me preenche, como nada nunca preencheu, um grito que vibra por todo o meu corpo, nada me impede de chorar e nada vai me impedir de continuar chorando.

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