Prólogo

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Ana

O que posso dizer sobre mim? Aliás sobre a minha vida? Nada de interessante, quer dizer atendendo ao facto de ter dois empregos para ajudar a minha mãe porque o meu pai está doente nada de interessante se passa na minha vida, tudo corre normalmente como planeado, eu tenho 26 anos e não realizei o meu sonho que é ser psicóloga.
O meu pai ficou muito doente quando completei 18 anos, eu estava a terminar o secundário e decidi fazer uma pausa nos estudos para trabalhar e ajudar a minha mãe com as despesas de casa e os medicamentos do meu pai que não são nada baratos, aliás tudo está caro. Por isso decidi ter dois empregos, sou empregada de balcão numa pastelaria das 8 da manhã ás 16 da tarde e das 17 da tarde ás 22 da noite faço limpeza num pequeno hotel aqui mesmo na vila de Sintra, assim segue a minha vida sem muitas surpresas e mistérios, monótona como eu gosto já tenho muitas responsabilidades e preocupações para ter surpresas na vida.
São exatamente 7:15 da manhã, estou a preparar me para o trabalho, sinto o cheiro a café pela casa e sei que é o meu pai que está a fazer o pequeno almoço, mesmo doente ele tenta ajudar em casa com as tarefas está sempre preocupado comigo e com a minha mãe, nunca deixa que eu saia sem tomar o pequeno almoço.
Entro na cozinha e vejo o meu pai de costas, vejo que está a torrar pão, abraço-me ás suas costas sinto o cheirinho dele , cheiro de lar nunca vou esquecer tudo o que ele fez por nós e ainda faz mesmo com esta maldita doença, o meu pai tem cancro no fígado, já fez vários tratamentos e operações mas a única opção para ele ficar bem é um transplante de fígado mas até ao momento não existe um dador compatível.
- Pai, como te sentes hoje? - olho carinhosamente para o seu rosto quando ele se vira para mim e me dá um beijo na testa.
- Bem filha , fiz uma torradas para ti, senta-te e come sabes que não gosto que saias sem comer. - mesmo doente ele preocupa-se connosco e isso aperta o meu peito, pensar na possibilidade de ele um dia deixar de estar aqui connosco para nos dar o ser carinho.
Sentei-me á mesa e ele serviu as torradas e café com leite, o meu pai sentou-se á minha frente e tomou o pequeno almoço comigo, ficamos em silêncio a sentir a calmaria da manhã, provavelmente a minha mãe já tinha saído, ela trabalha em dois hotéis no centro da vila de Sintra, sai de casa muito cedo e está sempre muito cansada mas não podia ter uma melhor mãe, ela tem feito um esforço imenso para cuidar do meu pai.
Quando acabei de comer, levantei o meu prato para lavar mas o meu pai disse que arrumava tudo, é verdade ele ajuda muito aqui em casa apesar de estar muito doente, ele é muito forte e corajoso, tenta sempre fazer todas as tarefas aqui em casa para ajudar a minha mãe.
Agarrei no casaco e na mala e gritei da porta da entrada:
-Pai, até logo se te sentires mal liga-me logo por favor.
Ele veio até à porta de entrada ter comigo e depositou um beijo na minha testa.
- Não te preocupes princesa vou ficar bem.
Abracei o meu pai e sai de casa, como sempre o tempo estava húmido, andei calmamente até ao trabalho, afinal ainda era muito cedo tinha tempo suficiente para chegar a horas ao trabalho, da minha casa ao trabalho são 10 minutos a pé, até gosto de fazer esta caminhada pela manhã acalma o meu coração apertado de preocupação pelo meu pai.
Quando cheguei ao centro da vila, fiquei junto à passadeira á espreita se vinha algum carro, atravessei mas algo fez os meus pés colarem ao chão, fiquei imóvel com o barulho dos travões de uma mota mesmo quase em cima de mim, o meu corpo congelou e esperei pelo impacto mas nunca veio.
- ÉS MALUCA OU SUICIDA INDIANA?
A minha boca ficou aberta de tanto espanto, era raiva misturada ao pânico, eu nunca senti raiva de nada nem ninguém , era a primeira vez na minha vida que sentia algo assim, ele era alto, moreno... Esperem! Esqueci- me de acrescentar que era o boçal da mota que me ia atropelando na PASSADEIRA que estava literalmente aos gritos na minha cara quando ele é que tem culpa.
- Eu não sou indiana, o meu nome é Ana. - estava a tremer de tanta raiva que tinha no peito, sentia o meu coração em batidas frenéticas.
- Você é maluca, sua Indiana de 1,50m.- ele olhava para mim com muito nojo e indiferença, parecia que eu era um ser insignificante, uma formiga que ele estava pronto a esmagar a qualquer momento.
_ Está a ser mal educado comigo, você ia me atropelando na passadeira, veio como um louco a ofender- me sem motivo aparente. _ a minha mão estava pronta para lhe apertar aquele pescoço bonito... Ana controla-te! Eu nunca tive um namorado na minha vida, não sei o que estava acontecer comigo.
_ Sinceramente indiana, devias ter mais controlo nessa boca, podes ficar sem língua. Para a próxima olha para a estrada antes de atravessares, podias ter sofrido muitos danos e eu não me ia importar mas sinceramente tenho mais que fazer do que estar aqui a falar contigo, não passas de uma insignificante. - estava estática com as palavras proferidas com tanto rancor e desprezo por este ser humano horrível sem um pingo de empatia no corpo, afinal nunca o tinha visto na vida não sabia de onde tirava tanto ódio e desprezo por uma situação que se podia ter tornado em uma tragédia. Quando ia para lhe responder vi que ele já estava com o capacete outra vez e passou a 1 metro de mim com a mota em alta velocidade, sabem aquela vontade de pontapear a canela dele? Não não sabem porque não estão na minha situação neste momento, mas eu estava cega de tanta raiva com a sua atitude perante esta situação, nem se desculpou mas sabem que mais?
Um dia a vida ou o karma irá pôr aquele homem desprezível numa situação idêntica para ele aprender uma lição.
ELE CHAMOU-ME INDIANA.
Eu não sou indiana, simplesmente sou muito morena com o cabelo muito escuro e olhos pretos muito grandes, ele é que é um xenófobo e como não tinha outro argumento para o quase atropelamento decidiu tirar uma conclusão muito precipitada e preconceituosa, espero nunca mais me cruzar com aquele ser humano desprezível na minha vida.

Ricardo

A minha vida estava numa espiral decadente.
A situação em minha casa não era a melhor, o meu pai estava sempre bêbado a tentar roubar o pouco dinheiro que a minha mãe ganhava, eu era mecânico numa pequena oficina no centro da vila de Sintra, lugar onde nasci e cresci mas o dinheiro que ganhava era pouco dava para ajudar a minha mãe mas também tinha as minhas necessidades, aliás eu acho a minha mãe um pouco narcisista sempre me culpou pelo casamento fracassado, não perdia uma oportunidade para me culpar pela sua vida frustante.
De algum tempo para cá deixei de intervir nas discussões que ela tinha com o bêbado do meu pai, não adiantava de nada eles sempre arranjavam uma desculpa para me culparem de serem dois fracassados na vida, mas eu queria mais que isto mais que esta vida inútil que eles tinham.
A minha casa esta sempre suja, nunca tenho nada para comer, tomo banho no quintal tudo por culpa deles os dois que nunca souberam ser pais.
Os meus dias são passados a trabalhar e as minhas noites são passadas com muita bebida, jogos, lutas e mulheres... Mulheres e amor, nunca mais quero sentir nada na minha vida, a mulher que mais amei abandonou para casar com um rico, ela só tem 24 anos e só existe futilidade naquele cérebro mas vejam se ele ficasse comigo estava condenada a esta miséria de vida, desde a partida dela só sinto ódio, aliás é o sentimento mais conhecido por mim é o ódio que carrego é nunca vou mudar isso, o ódio move-me todos os dias é o meu alicerce para continuar a lutar todos os dias.
São 7:40 da manhã subo na minha mota, depois de mais uma discussão fervosa em casa, todos os dias a mesma rotina, estou muito cansado de tudo e de todos, são uma cambada de inúteis frustados que não têm vida própria
Acelero a mota até ao centro da vila mas quase que não tinha tempo de travar quando a vi atravessar mesmo diante dos meus olhos, ia caindo da mota para não atropelar esta anã que está à minha frente como se tivesse visto um fantasma, desço da mota furioso e não perco tempo ofendê-la, indiana inútil!
Pensem comigo se ela morresse também não iria significar muito mas não vou estragar a minha vida por esta feia, ela ainda tem ousadia de me responder e tratar me por "você " , ridícula.
Viro-lhe as costas depois de a ofender com toda a minha raiva e rancor e acelero até perto de onde ela estava, vejo a cara de raiva dela, até que fica fofinha raivosa, O QUÊ???? NADA DISSO! CONCENTRAÇÃO RICARDO.
Tudo o que não quero é aderir à cultura indiana neste ponto da vida.
Acelero até à Oficina onde trabalho e vejo o meu patrão a fumar um cigarro à porta.
- Puto estás atrasado, são quase 8 da manhã.
- Desculpa, tive um contratempo uma indiana atravessou-se à frente da minha mota , ia esborranchando a inútil. - desculpo-me com o meu chefe e ele gargalha da situação e da minha fúria desmedida.
- Cheirava a caril? - ele continua a gargalhar, já estou furioso com a situação estava a ponto de espancar o homem.
- Vai à merda Aníbal!! Não tenho paciência para essas tretas.
- Aposto que cheirava a morangos doces. - o meu chefe esta a chorar a rir.
- Aníbal não enchas a minha paciência senão parto o teu carro todo, vou ao centro e racho a indiana ao meio. - estou a ponto de explodir com tudo e todos, aquela indiana ainda valeu gargalhadas ridículas do meu chefe, ainda me vou cruzar com ela e vou fazer a vida dela um inferno por se ter atravessado no meu caminho.

Depois da tempestade vem a.. Calmaria? Onde histórias criam vida. Descubra agora