Mamãe

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Assim que chego em casa jogo minha blusa na cadeira mais próxima e cansada pelo dia extremamente desastroso me jogo no sofá após trancar a porta grande e branca do apartamento em que moro, pego meu celular na mesa de centro assim como havia deixado e vejo pela claridade da tela e vejo uma única mensagem "Me conta sobre o andamento.".

Debloqueio meu celular e ligo direto para minha mãe, que a essa altura deve estar acabando o trabalho na casa ou melhor dizendo, na mansão dos Laverne.


-Olá mamãe, acabei de chegar em casa.

Aguardo ela me responder como sempre com poucas palavras.

-Como está indo e do que precisa?

Ela pegou esse trabalho para ajudar com o meu plano depois que insisti muito, eu penso que ela se sente culpada pela morte da Sol apesar de nunca demonstrar sentir algo.

Como uma pessoa que já estava desacostumada a trabalhar, sempre está com uma voz cansada.

-Não tive progresso mas estou trabalhando nisso, preciso que me diga o tipo de garota que o Duncan costuma levar pra casa para eu poder me preparar.

Falo preparada para ela soltar as feras em cima de mim e nesse mesmo momento escuto um barulho como se ela tivesse deixado algo cair.

-Eu sei que é seu estilo fazer as coisas mal feitas, garotinha, mas é bom que isso dê certo porquê eu não quero ter confiado em você e servido essas pessoas atoa, não é bom pra ninguém.

Ela fala com uma voz estridente mas calma, como se soubesse que eu ia falhar e como se estivesse acostumada com isso mas ainda assim eu consigo sentir a tensão.

-Eu entendo, perdão.

Falo cabisbaixa.

Há poucas coisas que sei sobre a mamãe, sei que antes de adotar garotas ela era artista, fazia pinturas lindas mas algo aconteceu e ela foi presa por um motivo que eu desconheço, sei que ela perdeu uma filha quando estava lá e isso claramente a tornou fria e sem vida mas eu costumo pensar que possivelmente sempre tenha sido assim.

-Ele costuma trazer garotas não fisicamente parecidas com você normalmente loiras de olhos claros, vai ter que trabalhar nisso para parecer pelo menos interessante, são garotas que se vestem muito bem mas parecem ser mais burras que ele, claro, não devem ser de verdade. Isso é quase impossível.

Acho que ela o viu da mesma forma que eu um rostinho bonito sem muita inteligência é quase como se ele não tivesse saído do jardim de infância mentalmente.

Ela diz que sempre foi boa em ler as pessoas de modo que tudo que ela fez foi por conta disso, não o considera uma maldição mas com certeza não é um dom.

-Eu não acho que consiga me fazer de burra dessa forma, hoje eu vi ele enfiando um salgadinho no nariz e rindo com os amigos até me questionei se ele realmente era da família mais rica de Nova Aurora.

Falo rindo e pegando a bolinha azul na minha mesa de centro a arremessando contra a parede só pra ver ela voltar para minha mão e repetindo o movimento, minha mão ainda com o lenço amarrado dói levemente sempre que sinto o impacto dela.

Escuto ela bufar em desaprovação a brincadeira.

O artista preferido dela nunca foi daVinci ou Picasso, ela admirava trabalhos de homens mas a sua artista preferida era Margareth Keane.

"Os olhos são a janela da alma"

Ela entendia isso tal como Margareth.

-Não se faça e não o subestime, garotinha, é importante se encaixar no personagem mas ele nunca traz uma garota mais de uma vez aqui então se quiser fisgar esse peixe vai ter que usar a T37° e por favor faça pelo menos a sobrancelha, as garotas dessa escola parecem modelos e você pode estar se fingindo de pobre coitada mas não significa que tem que ser acabada.

Ela nunca subestimava ninguém e em hipótese alguma pensava em confiar em um homem. Acho que isso ela também pode ter aprendido com Margareth.

Sempre que ela me passa coordenadas me sinto mal, como se ela me visse de uma forma rasa e horrível... como se ela também me culpasse por ter perdido você.

-Eu entendi, obrigada pela direção... Boa noi-...

Boa noite.

Mais uma vez ela desliga na minha cara.

T37 é uma forma de dizer que eu tenho que ser inteligente mas interessante e colocar os peitos pra jogo, a maioria dos homens heterossexuais com pouca capacidade mental gosta disso, nada como uma gostosa inteligente para ferras a vida deles. Formalmente falando, não posso perder a essência mas sim usar isso ao meu favor.

Coloco a bolinha de volta na mesa e sigo para o banheiro me despindo, esse uniforme é como de fosse uma fantasia muito feia para me disfarçar em mundo que não foi feito para pessoas como eu.

Tomo uma ducha quente enquanto penso em tudo, a água quente percorre meu corpo vazio como uma casca, você levou tudo oque tinha de bom quando foi embora, Sol. Quando éramos apenas crianças em um orfanato velho e empoeirado tendo que limpar, cozinhar e defender uma a outra não imaginaria que esse seria o melhor tempo de nossas vidas.

Assim que saio do banho faço um novo curativo em minha mão colocando o lenço que agora, prestando atenção, vejo que é de um tom leve de azul com o vermelho do meu sangue seco e vivido se destacando, parece cetim mas não tenho certeza e tem um bordado com iniciais "L.T" com linhas brancas, mas de quem seria essas iniciais?

Jogo o lenço na máquina de lavar e vou fazer minha sobrancelha assim como minha mãe falou, eu me sento em frente o espelho da escrivaninha em frente a minha cama e encaro aquela pessoa que não parece comigo, o cabelo longo, as olheiras e esse olhar desesperado por qualquer sentimento. Isso não sou eu.

Assim que termino me jogo na cama pronta pra outro dia e assim que fecho os olhos vejo você.

Sua voz suave entram pelos meus ouvidos e eu sinto saudade enquanto vejo apenas a silhueta do que tu era se afastando cada vez mais enquanto tento te alcançar.

"Maybe we should runaway
Come with me
I don't wanna stay

Feels like a dream
When i see you with me
Maybe we
Can meet on the tree

Pick up your dream
And brush your hair
We need to run
Put everything in your bag and be careful with the stairs

Run, run, runaway
Fuja."

A música que Sol cantava no orfanato em nossa infância parecia como um aviso.

O ar entra em meus pulmões como um furacão enquanto abro meus olhos já molhados por saber que não era real, mas e se fosse? Oque você quer me dizer? Olho ao redor e eu estou de volta em minha cama mas esse aperto no peito como se pudesse estar com você para sempre ainda permanece.

Com o nó na garganta me levanto colocando uma maquiagem leve como nunca antes tivera feito e colocando um alfinete em meu uniforme para ficar mais apertado do que anteriormente mas não ao ponto de meus seios dizerem "oi", saio com pressa mas atrasada.

A vingança do séculoOnde histórias criam vida. Descubra agora