Prólogo

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Todos nós sabemos que tudo o que vive e existe um dia vai acabar ou morrer, mas ninguém nunca está preparado para perder algo ou alguém tão de repente. E ela era uma dessas pessoas...

*

O local era todo branco, com flores. Ele estava todo de preto. Ele odeia a cor preta. Ele usava o cavanhaque de costume.

Os cabelos castanhos que sempre estiveram desgrenhados agora estão penteados para trás.

Deitado em um lugar duro e desconfortável, ele estava gelado, pálido e morto, o homem que ela amava ouvir falar. Agora estava estranhamente calado. Nunca mais ouviria a voz do pai dela, nunca mais sairiam escondidos da mãe só para comer besteiras. Não teria mais colo nem a proteção dele.

Como pode um homem tão cheio de vida morrer assim? Ele é pai, marido e filho. Como podem tirá-lo dessas pessoas? Que destino escroto é esse que entregam sem devolução?

A garota olha ao redor e vê pessoas que nunca o visitaram, pessoas curiosas dizendo que sentem muito. Mas eles sentem muito pelo quê? Quem perdeu alguém foi ela. Daqui a alguns minutos, todos eles vão para suas casas e rirão de algo.

Ela não os culpa porque ela é a verdadeira culpada. Era para ter sido ela. Ele não deveria ter ido buscá-la. Não deveriam ter brigado...

No velório, os homens estão prontos para fechar o caixão e levar o pai dela dali. Depois disso, iriam levá-lo para o cemitério, onde colocariam um homem que odiava ficar parado em um buraco fechado dentro de um caixão, para então enchê-lo de terra.

Ela vê sua mãe chorando no colo de seus avós, tios e irmãos de seu pai. Ela sabe que a mãe está com raiva dela, mas a garota também perdeu alguém. Não é justo a mãe não querê-la por perto.

Mas ela dá esse espaço para a mãe, ficando o mais distante possível. Todos estão saindo, a sala está ficando vazia. Ela vê a mãe saindo com os familiares e entrando nos carros, e ela fica ali, não consegue sair, só deixa as lágrimas escorrerem. Isso faz um dos homens determinar que era hora de fechar o caixão definitivamente, então com um gesto pede para que o outro o ajude.

Porém antes que um deles se prestasse à vontade do destino e velasse o pai dela para sempre, algo a faz sair do lugar e ir até o caixão, pedindo para que não o fechem ainda. Ela estava viva, tão viva que sentia a pior dor que alguém poderia sentir: a dor da perda.

Ela estava usando um vestido que ele lhe deu no seu último aniversário de 13 anos. O vestido era azul, da cor dos olhos dele, que agora nunca mais veria. Seu cabelo estava solto e desgrenhado. Tinha um curativo no pescoço e outro na coxa esquerda, que ela pensava não se comparar à dor que ele sentiu por sua causa.

Olhando para ele, ela se sentia vazia. A garota que sempre se sentiu feliz, agora parecia que nunca havia experimentado esse sentimento. Ela se via tão fútil.

Ela olha para ele, que parece tão calmo, parecia um anjo que veio à terra para ser consumido por vermes e ser esquecido daqui a alguns anos.

Sua avó, mãe do pai dela, já tinha ido para casa. Não que ela quisesse ir, ela tentou ficar, mas não conseguia ficar em pé. Ela tentou, vestiu o filho, arrumou o cabelo e escolheu as flores. Foi ela quem vestiu a primeira roupa dele e foi ela quem vestiu a sua última.

Ninguém poderia culpá-la, nem imaginar a dor dela. A dor de enterrar um filho...

A garota não queria ir embora com sua família porque quis ficar mais tempo com ele, mas como deixá-lo ir sem que leve a ela também? Quando ela estiver assustada, para quem vai correr para abraçar?

Ela sente alguém tocar seu ombro e olha para cima, vendo a sua amiga Isabella que a afasta do pai. Elas obcervam eles fecharem o caixão e levarem ele pro carro, e a garota desaba, não sente as pernas, o que faz as duas garotas caírem, parece que a dor invadiu tudo e que só agora percebeu que nunca mais vai vê-lo.

Isabella chora assustada,mas tenta acalmá-la, falando que vai ficar bem, que tudo vai ficar bem e que ela está ali com ela... mas a garota não está ali, ela está vazia. Não está enterrando apenas seu pai, mas a si também.

Ela, abraçada na melhor amiga, ganha forças para ir até o cemitério. Agora, com todos juntos, ela vê o caixão descendo e se enchendo de terra, escuta o padre falando algo que ela não faz questão de ouvir.

Sente alguém pegando sua mão: Pietro, primo de sua amiga, a olha com um olhar caloroso e faz carinho na palma da mão da menina. Ela aperta, agora abraçada com a amiga e de mãos dadas com Pietro, se segura nos dois para não cair.

Mas agora não há nada: nem mãe, nem Isabella, nem Pietro, família ou o pai dela. Porque a única coisa que ela sente agora é o vazio. E esse vazio tão vil que, mesmo depois de deixar o cemitério, ela ainda o sente e é desesperador.

Mas ela está viva, um milagre. Então ela tinha que agradecer, não é? Não são muitas pessoas que sobrevivem a um acidente de carro e a um tiro de raspão no pescoço no mesmo dia.

*

Depois do enterro, ela foi para casa junto com a amiga que não saiu do seu lado um único dia depois do acidente, ela abraçou a amiga todas as noites, ajudou nas atividades atrasadas da escola, penteou seus cabelos e deu seu ombro para ela chorar sempre que precisava.

Ouvia reclamações dos pais por passar tempo demais na casa de Melina, mas ela não ligava. Ela amava a amiga e doía vê-la daquele jeito. Seu primo se aproximou de Melina e também a ajudava quando Isabella estava na escola de dança. De tanto Melina insistir, conseguiu fazer com que a amiga desistisse da ideia de parar de ir às aulas à tarde. Pietro estava com ela, ajudando-a a superar o luto.

Eles ficaram próximos e, depois de um ano de amizade, tornaram-se namorados. Ela se agarrou aos dois todas as noites e manhãs, na escola sempre eram os três juntos. Até que Isabella completou 15 anos e conheceu um garoto. Agora, é mais ela e Pietro do que com Isabella. Ela tentava ficar mais com eles, mesmo estando com o namorado, mas Melina sempre a tranquilizava para que ela fosse viver, pois não era justo que todos parassem de viver só porque ela ainda não superou o luto.

Já mãe dela se afundou no trabalho. Quando chegava em casa, ia direto para o quarto, e a garota só a via no dia seguinte, quando já estava saindo para a escola. Ela via a mãe sorrir para o telefone algumas vezes, mas quando via a filha, ela se despedia de quem quer que fosse no celular e puxava um assunto aleatório.

A garota achava estranho, mas não se importava; poderia ser o luto. Ela também se envolveu nos torneios de tênis e na escola. Mal passava em casa era na escola pela manhã, à tarde tinha aula de tênis, e à noite passava com Pietro.

Ela precisava superar o luto de alguma forma, e o jeito dele era bom, mas não durava muito. Resolvia por alguns minutos, mas para ela aquilo já bastava. A mãe dela não se importava dela ter perdido a virgindade tão cedo. Ela pensava que pelo menos a filha tinha algo bom para sentir e que era com alguém que cuidava dela, já que a mãe não conseguia mais.

Mas o tempo passou, e aquilo não era mais tão bom assim...

Ela estava sozinha, vazia, e aconteceu o que ela mais temia: a mãe se casou com outro em um ano, logo depois da morte do pai. A avó dela não a olha mais como antes, o avô até tenta se aproximar, mas morando longe agora complicaria tudo.

***

O Segredo Nas Sombras | + 18Onde histórias criam vida. Descubra agora