Capítulo IV

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Titã era um grande reino, cercado por uma vasta floresta e bastante movimentado na região habitada.
O grande palácio ficava na divisa entre as áreas urbanas e naturais, tendo em sua propriedade um majestoso jardim com fontes e arbustos bem cuidados, assim como a grama aparada perfeitamente. A construção ostentava a arquitetura gótica, com grandes janelas e vitrais que entravam em contraste com a limitada iluminação do lugar e seu assoalho de madeira escura. Tudo ali era profundamente belo, mas facilmente confundido como sombrio, por conta de sua assustadora perfeição.

O príncipe Sebastian estava em seu quarto. Um cômodo de paredes revestidas em madeira, e apenas uma delas com um papel de parede na cor grafites e detalhes em dourado que lembravam diversas constelações. Ele se encontrava na poltrona de couro, voltada para janela, com vista para o lado Oeste do jardim. Seus olhos de um verde vivo estavam focados nas páginas do livro que lia, um clássico da literatura antiga. De fundo, um disco de vinil soava sua melodia com os tão famosos timbres de Os Beatles.

Passados vinte minutos na mais pura paz, ouviu-se uma batida na porta e o rapaz se levantou, indo na direção da mesma. Ao abri-la, deu de cara com seu melhor e único amigo, Andrew Coleman. Ele possuía uma pele negra e cabelos num corte social, quase raspado; seus olhos eram tão escuros quanto o mais profundo abismo, mas brilhavam de maneira positiva, sem contar no sorriso radiante que ostentava.

ㅡ Por um momento achei que iria ignorar as batidas na porta, cara ㅡ disse Andrew, abraçando o amigo antes mesmo que este pudesse escapar.
ㅡ Se eu soubesse que era você, teria o feito ㅡ o príncipe respondeu, retribuindo suavemente ao abraço do mais alto, com um sutil sorriso nos lábios.
ㅡ Eu sei que não faria isso com seu melhor amigo ㅡ o rapaz se desfez do abraço, mas manteve uma mão no ombro do outro, o observando atentamente. ㅡ Vejo que está inteiro e que Zyan não cumpriu a palavra de te morder ainda... uma pena.
ㅡ As vezes acho que você e ele me odeiam, isso sim ㅡ fez um sinal para o de olhos negros adentrar em seu quarto, fechando a porta em seguida. ㅡ E então? Como foi a viagem dessa vez? ㅡ questionou, sentando-se no mesmo lugar em que estava antes.
O Coleman se acomodou na cama do príncipe, visto que já se sentia em casa ali no palácio. ㅡ Foi como todas as outras viagens, Sebastian. Diversos jugares novos, novas amizades e pequenas dificuldades. Mas desse vez não aproveitei muito, e tenho a leve impressão de que não verei metade das pessoas que conheci jamais.
ㅡ Por que diz isso?
ㅡ Porque meu pai arranjou confusão com um membro de grande importância do conselho marítimo de Jano, pois o cara deu encima de Kayla e a mãe dela. Sabe que apesar dela não ser minha irmã de sangue ela a trata como se fosse, e eu entendo, mas eu queria ter oportunidade de retornar ao lugar, poxa. ㅡ a expressão de Andrew era levemente amarga.
ㅡ Compreendo. ㅡ o príncipe então pensou um pouco. ㅡ Mas pode muito bem visitar o lugar sozinho em outro momento. Certo?
ㅡ Infelizmente não ㅡ fez silêncio por um momento. ㅡ Porque me meti na confusão também. Não podia deixar meu pai brigar sozinho.
ㅡ Eu devia ter imaginado. Você não aguenta ver uma confusão.

De repente, um pequeno ouriço saltou para fora do bolso do casaco de viagem do Coleman. Era Steven, o guardião do rapaz. A criatura era adorável de se ver, mas levemente impulsivo, e sempre implicava com Zyan. O lobo, no momento, não se encontrava no quarto do príncipe, mas deitado no tapete da biblioteca do palácio. Segundo o grande canino, lá era o lugar perfeito para um cochilo, pois estava cercado por relíquias nostálgicas, conhecimento, e especialmente da maior lareira da propriedade.
O cômodo não era muito distante do quarto do príncipe. Ficava apenas à três portas, contando da esquerda para a direita do corredor. Os guardiões nunca de distanciavam muito de seus protegidos, pois as consequências desse afastamento eram desconhecidas, e provavelmente trágicas.

[...]

Mais tarde, a família real de Titã estava reunida para o jantar, assim como seus visitantes. O rei, Jonathan Blanc, ocupava a cabeceira da grande mesa, com a rainha à sua esquerda, e o filho do meio à direita. Ao lado irmão, se encontrava o príncipe Sebastian, Andrew e a irmã postiça, sucessivamente. De frente para eles se encontravam o Hernesto Coleman e a companheira, Laylah Saija.

Ambas famílias tinham lá suas particularidades. Os Blanc eram cinco oficialmente, mas o príncipe herdeiro estava passando uma temporada no reino de Tarvos, com a família da esposa, pois a moça havia perdido a mãe recentemente. O primogênito se chamava George, e sua esposa era Janne.
A família de Andrew era mais complexa. Sua mãe havia falecido pouco tempo após seu nascimento, e o garoto foi criado apenas pelo pai, que seguiu solteiro até que o filho completou oito anos de anos. Nesse período, Hernesto conheceu a mãe de Kayla em uma de suas expedições. O esposo da senhora Saija havia falecido quatro anos antes, vítima de ataque cardíaco. Laylah era descendente dos antigos povos africanos, assim como os Coleman, mas sua filha tinha o sangue dos povos ciganos, por parte do pai. No fim das contas, os Coleman e as Saija eram uma só coisa, uma família diferente.

ㅡ Então Oliver irá se casar? ㅡ questionou Hernesto, um homem negro de meia idade, com alguns fios grisalhos aparecendo em sua barba rala.
ㅡ Sim, ele vai. A princesa de Pã é encantadora, por sinal ㅡ disse o rei, recebendo apenas um olhar rápido e sutil do filho.
ㅡ Sabe, eu entendo que é coisa da realeza, mas acho isso meio cruel, por assim dizer ㅡ o comerciante falou, mantendo um olhar tranquilo sobre o amigo, enquanto todos os outros presentes tentavam conter a surpresa gerada por sua fala. Ninguém ousava usar um tom tão informal ou discordar das leis perante Jonathan Blanc, exceto o senhor Coleman.
Os três rapazes se entreolharam, sendo observados por Kayla. Os mais jovens haviam captado perfeitamente a leve tensão que se formara.
ㅡ Crueldade ou não, é o correto a se fazer, meu caro. O reino de Pã precisava de um futuro rei para governar ao lado de sua próxima rainha, e Oliver era a melhor opção dentre os candidatos ㅡ o soberano respondeu, após terminar de mastigar um pedaço do bife mal passado que tanto apreciava.

Percebendo o clima pesado, a rainha resolveu quebrar o gelo.
ㅡ Laylah, querida, conseguiu encontrar aquela antiga pulseira de que falamos da última vez? Lembro-me que mencionou ter sido vista há pouco tempo em Jano.
ㅡ Infelizmente não, majestade. Quando cheguei ao local, soube que havia sido vendida a um colecionador ㅡ as palavras soaram gentis dos lábios da mulher.
As Saija eram um verdadeiro paradoxo. Tinham aparência uma mística, que lembrava a mistura entre uma pirata e uma feiticeira. Seus olhos eram castanho escuro, assim como os cabelos ㅡ sendo os de Kayla de menor curvatura que os da mãe. A pele de tom semelhante ao caramelo servia bem como contraste à doçura de seus timbres e gestos delicados.
ㅡ É uma pena ㅡ a rainha suspirou, levemente desapontada. ㅡ Seria meu presente de boas-vindas para a princesa Louise.
ㅡ Nessa caso, acho que posso resolver vosso problema, majestade. Durante a viagem também visitei lojas de vestimenta e encontrei algo muito bonito: um vestido inspirado num modelo da magnífica grife Dior ㅡ Laylah falou, com um notável entusiasmo na voz.
Os olhos da rainha se acenderam e um suave sorriso surgiu nos lábios finos.
ㅡ Lhe mostrarei logo após o jantar, majestade. Está em uma das minhas malas ㅡ completou a mulher.

O jantar se seguiu tranquilamente após a quebra da tensão entre os dois chefes de família. Depois da refeição, os jovens seguiram para a biblioteca do palácio, deixando os mais velhos no salão onde estavam.Apesar de ser uma garota, Kayla era sempre bem-vinda nas conversas com os príncipes e seu irmão postiço.
O quarteto seguiu pelo largo corredor principal, até adentrarem o grande cômodo, onde todos os guardiões já estavam no aguardo dos protegidos. A garota Saija foi a primeira a se sentar, bem ao lado de onde seu cervo Atlas, no tapete rubro. Sebastian, Andrew e Oliver ocuparam o sofá de couro preto, de frente para ela. E foi Kayla quem quebrou o silêncio.
ㅡ Fiquei sabendo de muitas coisas na viagem, mas me contem tudo na visão de vocês, altezas. Os mais antigos têm o péssimo hábito de só tratarem dos detalhes mais chatos ㅡ disse, arrumando a saia cor de pêssego ao redor dos joelhos.

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⏰ Última atualização: Sep 05 ⏰

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