Capítulo 3 - (Re)começar

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As coisas estavam diferentes. Os meus olhos viam de maneira diferente. O que estava a acontecer? É óbvio que não estava morta, pois durante toda a minha vida sempre fui defensora de que não havia nada no "outro lado". Mas também não estava viva... Que raio? Olhei em volta. "Eu" estava deitada na maca, os médicos estavam ao meu redor. A sala era coberta de uma atmosfera de muita pressa, pânico e desespero. Os médicos corriam de uma ponta da sala à outra em busca de instrumentos que me trouxessem de volta à vida, porém sem sucesso. Falei com os médicos, mas ninguém me ouviu. Fiz sinais, mas ninguém me viu. Saí da sal, apressada em busca da minha família. com sorte, O Michael estaria lá também. Não conhecia o hospital, esforcei-me para encontrar o caminho de volta até à sala de espera onde tinha estado umas horas antes. Lá estavam eles. 

-Mãe! Pai! Estou aqui! - gritei eu de felicidade. 

Corri para abraçá-los, mas ninguém me retribuiu o abraço.  Porque será que ninguém me via? Estava tão triste. Senti-me vazia pela primeira vez em toda a minha vida. 

Sentei-me ali ao lado dos meus pais, em segredo, a chorar. 

-Ai Carlos, a nossa menina! O que vai ser feito de nós? - lamentava a minha mãe para o meu pai. 

-Calma Mariana, tudo se há-de resolver. Tem fé. - tentou o meu pai reconfortar. 

Dito isto, o médico entrou sala a dentro. Os olhos da minha mãe encheram-se de esperança. Os do meu pai de medo. O médico baixou a cabeça. Percebi quão difícil poderia ser dizer a uns pais que a filha deles morreu. O que eles não sabiam é que eu estava ali ao lado deles. Estava mesmo de verdade. Só que "invisível"... 

-Infelizmente, a Marta não conseguiu... - disse o médico.

Choros. Gritos. Desespero. 

-Começou a ter hemorragias internas. A hora da morte foi à 00h:37m. Lamento. - concluiu o médico.

O Michael aproximou-se, vindo da casa-de-banho, a fim de tentar perceber o que se estava a passar. Não era preciso ser um grande cientista para saber, tendo em conta a angústia e o desespero dos meus pais. Não consigo imaginar a dor de ver um filho partir, mas para mim era bem pior, porque estava ali ao lado deles a assistir a tudo, sem poder fazer nada. Queria tanto abraçá-los e dizer-lhe que eu estava ali e que tudo ia ficar bem. Escondi-me, talvez de mim própria... Refugiei-me na casa-de-banho feminina. 

Desde cedo que as casas-de-banho eram o meu esconderijo secreto. Nunca fora bem aceite nas escolas por onde passei. Era gozada por ter a cara repleta de sardas. Felizmente, o Michael era apaixonado por essa característica minha. Ele gostava tanto que a um certo ponto eu comecei a gostar também. Missão (quase) impossível, mas ele conseguiu sem esforço algum! 

Ali estava eu, outra vez. Aquele ambiente já me era então familiar. Pensava em como seriam as coisas dali para a frente. Como viveria...? Haveria mais pessoas como eu...? Alguma vez alguém me iria ver...? Ou sequer ouvir-me...? Como saberia...? Pensei na discussão que tivera com os meus pais nessa noite e lamentei por não ter aproveitado o tempo que tinha. Detestava-me por ter saído de casa naquela noite. Se não tivesse sido tão dramática agora não seria um "fantasma?". Afinal o que era eu...? Pobres dos meus pais. E do Michael. Devia se sentir tão culpado pelo que acontecera. Mas afinal, a culpa não tinha sido dele. Quem me mandou a mim não usar o estúpido do cinto de segurança?! Argh! E quem teria sido o idiota que (quase) me tirou a vida?! Tinha que obter respostas! 

Os meus pais e o Michael foram para as suas respectivas casas. Eu queria ir com os meus pais, afinal eles não dariam pela minha presença e eu poderia ficar com eles.  Aproximei-me do carro para abrir a porta. Tentativa falhada. Simplesmente não conseguia. Estendi o braço e foi então que descobri que podia atravessar a porta do carro. Afinal ser um "fantasma" tinha as suas vantagens. Sentei-me no banco do meio, como era hábito. A cara do meu pai estava de tal forma inchada do choro que mal o reconheci. Senti-me pessimamente mal por ter brigado com ele com naquela noite, porém não havia nada a fazer. Não podia sequer desculpar-me. Pensei em escrever-lhe uma carta quando chegasse a casa para lhes dizer o quanto os amava e que lamentava toda  aquela situação, mas lembrei-me que não me era possível agarrar nos objetos. O meu destino era ficar a observar o sofrimento deles até que chegasse o dia em que seria a minha vez de sofrer por eles. Que sina a minha!

Fechei os olhos e pensei em como gostaria de estar com Michael naquele momento, poder abraçá-lo e falar com ele. Dizer-lhe que tudo aquilo não passava de um mal entendido e que ficaríamos juntos para sempre, sem medos. 

Abri os olhos e constatei que estava no quarto de Michael. Tele-transporte seria uma das minhas novas habilidades? Estava desconfortável com a situação... Não queria aquilo, não queria ser aquilo... 

Ouvi um ruído. A maçaneta da porta rodou e a porta abriu-se. O Michael entrou e parou. Ficou desesperado a olhar na minha direção. 

Conseguiria ele ver-me...?




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