" A verdadeira felicidade vem da alegria de atos bem feitos, do sabor de criar coisas renovadas. "
- Antoine de Saint-Exupéry.
Alexei
Poderia ter sido uma segunda-feira de verão absolutamente normal. Entretanto, começar o terceiro ano do ensino médio em um colégio novo, não está nos limites da normalidade - sobretudo quando se trata de uma escola preparatória APENAS PARA GAROTOS!
Sem esquecer, é claro, o simples fato de eu ser um cara gay.
Meu pai, após tantos diálogos persuasivos, aparentava estar cada vez mais acostumado com a ideia - muito embora seu silêncio durante parte do percurso mostrasse o quanto a coisa toda ainda o atormentava. - Todavia, lá estava eu no banco de trás do seu Chevrolet Onix caramelo - pausa para que você pesquise imagens -, lendo o panfleto informativo no qual constava algumas regras e informes do Colégio São Vicente.
A primeira coluna explicitava as disciplinas obrigatórias aos alunos: Português, Matemática, Biologia, História, Geografia, Química, Física, Inglês, Cidadania e Educação Física. Na coluna adjacente estavam as matérias auxiliares, totalmente opcionais: Filosofia, Estudos Religiosos, Economia, Artes, Espanhol, Sociologia e Cálculo. A terceira mencionava algumas atividades extracurriculares, também opcionais: Teatro, Literatura, Futebol, Basquete, Dança, Rádio e Jardinagem.
As matérias desta última coluna serviam de suporte, garantindo pontos extras nas disciplinas referentes às suas áreas de conhecimento. Já a última continha o número do meu alojamento (211) e os nomes dos garotos com quem eu passaria a dividi-lo: Caleb dos Santos, Pierre Coutinho, Jonas Pereira e Benjamin Velasco
Todos muito provavelmente héteros.
O que me pôs a pensar se isso era algo bom ou relativamente ruim.
Dobrei o panfleto e pus no bolso.
Recostei a cabeça no banco aconchegante e observei o sol cortando as árvores e me acompanhando do lado de fora. Seus raios refletindo em meu rosto, um lembrete constante de que eu estava vivo, que o imprevisível me chamava.
Sair da minha zona de conforto com o benefício da dúvida era algo particularmente bom. Por hora, não queria saber onde a coisa toda iria dar, afinal de contas, aquilo era viver, e eu ficaria bem:
- Ainda tá em tempo de desistir dessa decisão tão louca filhote... - Disse meu pai num tom baixo e cauteloso enquanto me fitava pelo retrovisor, flagrando minha tentativa de tirar uma selfie Tumblr pela janela.
Síndrome do ninho vazio (ON)
- Pai... - Respondi, medindo minuciosamente as palavras seguintes. - Eu ficarei bem. Além do mais, estou cansado disso tudo, cansado de ser sempre o "garoto gay" do Edwiges, preciso me desfazer dessa imagem que fazem de mim, jogar fora a forma. E como pessoa que agiu conscientemente, garanto que se houver algum arrependimento, não irei depositar minha frustração em você ou na mãe, relaxa.
- Só espero que não esteja tentando se desfazer de nós! - Disparou ele, levantado o dedo indicador para dar ênfase, possivelmente pensando em como as coisas seriam com eles dois tão distantes:
- Já te falei que no São Vicente o ensino é rigoroso e que a escola é praticamente uma fortaleza? É claro que não devo ter esquecido do diretor - Continuei, irônico. - É uma fera!
- Bobagem! - Apressou-se ele enquanto passávamos por uma boate no qual alguns garotos (que resistiram até o after) enchiam a cara, embebedados. - Já fui jovem, muito mais astuto que você se quer saber, e se tem uma coisa que sei até os dias de hoje é que adulto nenhum segura um adolescente. Especialmente na sua idade, com os hormônios à flor da pele, não mesmo!
- Pai... – Murmurei. - Sei que você confia em mim, sempre foi assim, não é?
- Não sei como se deu, mas naquele momento relembrei o dia em que finalmente afirmei ao meu pai que eu era gay. Sim, afirmei, pois ele já desconfiava, aliás, ele tinha a certeza, os pais sempre têm...
- Tudo bem, não vou insistir nessa discussão besta. Só me promete uma coisa? - Nesse instante o seu celular tocou. - É a sua mãe, ligo depois - Disse, desligando a chamada e voltando ao volante:
- Prometer, o que? - Questionei, me atentando as palavras seguintes:
- Que irá me informar assim que eu ganhar um genro! - foi a sua resposta, logo antes de cair na risada:
- Isso não tem graça! – Disparei.
Embora parte de mim desejasse que as coisas assim procedessem...
...
Senti a velocidade do carro reduzir gradativamente junto à fricção dos pneus contra o asfalto grosso e pedregoso:
- Bem, chegamos filhote. Bem-vindo à sua nova casa, garoto desordeiro! - Brincou meu pai, já fazendo a curva pelas laterais do grande campus à procura de um lugar para estacionar. O estacionamento (1) era imenso e estava repleto de carros no qual se viam garotos acompanhados de seus pais ou responsáveis:
- Não seja tão dramático! - Revirei os olhos - É só um internato.
- E o inferno é apenas uma sauna! - Respondeu, rindo.
Eu admirava tudo pela janela: as salas de estudo, as grandes estruturas - onde provavelmente ficavam os dormitórios - as áreas desportivas, os espaços de convivência, tudo passando em flashes. Em todas as partes se viam garotos, de todos os gostos, estilos e definições, alguns carregando suas mobílias, outros levando mochilas pesadas, ao passo que muitos se despediam apressadamente dos seus pais. E naquele momento o entusiasmo atingiu seu ápice.
Havia um mundo novo de possibilidades lá fora, e eu estava a um passo de devorá-lo.
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Alojamento dos Héteros (Versão Definitiva)
Storie d'amore"É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar, mesmo que achar-me seja de novo a mentira de que vivo." - Clarice Lispector Cansado do estigma que carrega, Alexei, o "garoto GAY" do Santa Edwiges, de...