Joguinhos de Sedução e a vela vingativa #4

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O silêncio era desconfortável e a falta de sono acompanhava todos os minutos daquela noite esquisita. Involuntariamente meu corpo tremia de frio, a vela não fazia calor.

Inesperadamente, o cara sentou ao meu lado e me envolveu em seus braços.

Fofo.

— Isso é muito gentil, obrigada.

A atitude foi estranha e o cheiro de sangue seco de sua camisa era forte, de qualquer forma, estava quentinho e depois de alguns minutos pude parar de tremer.

Enquanto estava envolvida no abraço de um completo estranho, minha cabeça falhou mais uma vez. Por um momento, tudo que pude sentir foi a necessidade urgente de alguém na minha vida. 

Eu preciso disso.

Alguém para fingir se preocupar com meus inúmeros problemas. Alguém para me envolver em um abraço protetor, mesmo que fosse apenas uma ilusão, mesmo que fosse só por um momento. Já fazia tempo que me sentia protegida, estava farta de ter que manter essa fachada de força o tempo todo.

O silêncio era sufocante, mas parecia o mais apropriado para a situação. Não tínhamos intimidade alguma, e sinceramente, não tinha interesse em desenvolver qualquer vínculo.

Em todo o caso, estar ao lado dele não era tão terrível assim; era melhor do que enfrentar o frio sozinha. Eu sabia que qualquer tentativa de conversa seria desastrosa, mas o peso do silêncio tornou-se insuportável.

— Ella — recitei baixinho, ainda temerosa em ter um diálogo.

— O que?

— Meu nome é Ella.

— E daí? - disse o homem dando uma risadinha.

Pateta.

— Jura?

— Você que começou.

Não sou hipócrita de dizer que não gosto de conversar com homens; na verdade, gosto... principalmente nas minhas fantasias. Mas, a ideia de ter que abrir minha vida e compartilhar informações é desagradável, especialmente para aqueles por quem sinto apenas atração passageira e nenhum desejo de manter na minha vida após um único beijo.

Passei os dedos pelo cabelo que sempre  me trouxe tantos problemas em casa e suspirei cansada de jogar os mesmos joguinhos.

— Não vai me dizer seu nome, mesmo?

— Não.. não quero mais uma obcecada por mim.

Dei um sorriso de canto, admirada com a situação.

— Pelo que eu saiba, quem está com os braços ao meu redor é você.

— Então tá.

Ele cuidadosamente tirou os braços.

Ótima situação para estar com um estranho, nunca presenciei algo tão constrangedor. Mas não tinha como piorar, então o encarei bem e fiz um bico.

— Implore pelo meu calor corporal.  Agora, senhorita Ella!

Sim, tinha.

— Vai sonhando. E nada de senhorita, pra você é majestade. —  Disse com um sorriso bobo.

O homem se levantou,  minha expressão furiosa o acompanhava, senti automaticamente o frio bater mais forte. Cruzei os braços, meu orgulho jamais permitiria deixar uma situação daquelas se estender.

—Por favor, volta—  Sussurrei —  Eu preciso do seu calor corporal.

Eu estava envergonhada, meu orgulho não foi o suficiente pra me convencer a passar frio. O rosto do homem exibia uma sensação gloriosa, mas eu não deixaria barato.

Peguei a vela discretamente e pinguei uma gota de cera quente nas mãos dele, era a minha vingança.

—Oops.

O sorriso triunfante se estendia em meus lábios mas o cara se contorceu de dor por mais tempo que o esperado.  Minha expressão facial mudou.

Será que pegou no corte?

Quando me aproximei para ver se ele estava realmente machucado, ele segurou o meu pescoço e sussurrou com um sorriso pervertido enquanto olhava fixamente para meus olhos esverdeados:

— Não tente bancar a esperta comigo, se fizer isso de novo eu vou te deixar sem ar.

    Meu corpo congelou. Sua voz estava diferente e a ameaça parecia séria,  mas não fez o efeito esperado em meu corpo, fiquei vermelha, arrepiada e meu coração disparou.

— Então tenta.

Seus olhos lançaram um olhar furioso antes de ele hesitar e se afastar, suspirei fundo, levantando-me rapidamente para me sentar com as costas contra a parede. 

Coloquei a vela entre nós, uma medida de precaução que não conseguia ignorar a tensão que aquele lugar exalava. Ainda sentia o frio,  mas não foi por uma questão de orgulho, que me mantive na mesma posição, foi o juízo que me fez ficar longe dele.

— O que você está fazendo aqui? — Perguntei na tentativa de desviar o foco da conversa.

— Vim pegar uns livros com o padre, ele me ensina algumas coisas e como nunca estive aqui antes, quis dar uma olhada.

— Você realmente nunca ouviu que a curiosidade matou o gato. Mas quem sou eu, né ? — sorri discretamente — Achei que no máximo receberia uma bronca do padre.

— Então você me acha gato? — Disse o homem interrompendo o clima pesado e abrindo um sorriso.

Como ele pode ser tão convencido? Melhor, como consegue mudar o clima tão rápido?

—  Não acredito que estou realmente ouvindo isso.

— Eu sei que você me acha gato, e só não quer admitir. — Sorriu —  Eu lembro bem  de você me com...

—Eu jamais faria isso! Senhor longossauro. — Disse ao cair em uma crise de riso espalhafatosa com o rosto mais vermelho do que um tomate.

Fiz uma careta e me perdi em pensamentos. 

Meu pai insistia que eu me casasse com o filho do seu amigo, o Lorde, e por um tempo ele me cortejou. Eu o amei intensamente, até que ele me condicionou a ser parente das renas.

Nunca mais me permiti envolver emocionalmente com ninguém. Às vezes, aproveitei a paixão de alguns ingênuos para conseguir algumas coisas, mas nunca me entreguei totalmente a eles, nem permiti que me beijassem.

— Você tem família?

Bingo, aí está o seu ponto fraco.

De repente, o sorriso dele desapareceu. Sua feição ficou melancólica.

— Tenho... Minha mãe.

— E ela não vai se preocupar com você fora de casa?

— Não, ela conhece o filho que tem —  Inspirou profundamente —  E você Ella?

O "Ella" soou diferente da primeira vez, ele parecia outra pessoa. Não me atrevi a aprofundar o assunto, eu sabia que se o fizesse, iria entrar em areia movediça.

— Tenho três irmãs, mas elas não são do tipo que se preocupam.

— Você está realmente bem  com o que acabou de acontecer?

— Sim, eu estou... Tenho que estar.

Devo manter o controle da minha própria vida, independentemente do que acontece ao meu redor.  Preciso viver da melhor forma possível, sem agir como uma heroína ou esperar que os outros resolvam meus problemas. A vida é injusta. Ou aceitamos isso, ou envelhecemos em desespero.

— Eu achei que não estaria, não pelo fato de  ver morte, já estou acostumado com isso, mas por não poder fazer nada. — Disse o homem.

— Na maioria das vezes não dá pra fazer nada, a vida é assim. Engole o choro, a vida não para quando você acha que é o fim

— Eu te acho insuportável com essa síndrome de sabedoria, sabia?

— E desde quando eu  ligo pro que você acha?

Arkalis: O sangue realOnde histórias criam vida. Descubra agora