[02] Mamãe

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Eu sempre quis montar um acampamento em família, mas sinceramente, eu não esperava que meu desejo seria realizado com um monte de pessoas estranhas, tendo que me esconder dos mortos que querem nos comer. Meu pai me disse para não ver essas coisas como pessoas, porque elas não são mais elas, são apenas corpos sem alma vagando por aí. Eu queria entender o que realmente aconteceu e por que as pessoas começaram a morrer, mas sinto que ninguém sabe a resposta.
   
Agora estou escondida atrás de uma árvore. Os adultos estão todos ocupados, discutindo estratégias e falando sobre comida. Me sinto muito invisível quando eles estão conversando.

Há outras crianças aqui, mas elas não querem ou não gostam de brincar comigo. A Sophia é a única que me trata bem para brincar, pois Louis e Eliza não podem se aproximar de mim. Os pais deles proibiram, por eu ser uma Dixon. Carl me trata bem, mas ele não gosta muito de brincar comigo porque ele tem medo do meu pai. Ele só se aproxima de mim quando estamos conversando sobre outras coisas, e ele não fala comigo quando meu pai está por perto, só fala se eu falar também, porque ele não entende linguagem de sinais. Ele quer sempre se intrometer nos assuntos de adultos.

Está muito cedo. Eu não entendo porque todos acordam sempre no início da manhã, quando agora não há mais nada para fazer e podemos dormir até tarde. Meu pai por exemplo, acorda antes do sol nascer e sai do acampamento para ir caçar. Hoje quando acordei, mamãe já não estava mais na barraca dela, e eu sei exatamente onde ela está. Caminho em direção à pedreira em busca da minha mãe, porque eu sei que ela está lá. Eu sei que é perigoso, os adultos estão sempre me dizendo para não ir lá sozinha, mas até agora eu não vi nenhum homem morto, então eu não acho que eles possam chegar até aqui.

Quando finalmente chego, vejo minha mãe na margem do lago, abaixada e olhando fixamente para a água. Não a vejo piscar os olhos, estranho. Me aproximo dela lentamente e a observo com mais cautela. Seus olhos estão vazios, como se... Como se ela estivesse no mundo da lua. Às vezes eu ficava desse mesmo jeito quando precisava levantar de manhã para ir à escola, mas no caso dela, ela não precisa mais ir trabalhar e estamos bem, então por que está desse jeito?

"Mamãe?" Sussurro baixinho, mas o suficiente para que ela me escute. No entanto, não recebo resposta.

Minha mãe continua olhando para a água. Algo está errado, ela está muito, muito distante, seus pensamentos estão em outro lugar. Meu coração começa a bater forte e eu toco em seu ombro, porém ela se assusta e me olha com os olhos arregalados. Ela está com medo de alguma coisa. Isso é estranho, porque a mamãe nunca tem medo de nada. Ela é a pessoa mais corajosa que eu conheço depois do papai, é claro.

"Mamãe, o que aconteceu?"

Ela finalmente pisca o olho, e quando ela faz isso, vejo o brilho do seu olhar se formar em uma lágrima. Seus lábios estão tremendo e ela me dá um pequeno sorriso. "Querida. O que você está fazendo aqui?"

"Vim te procurar. O que está fazendo?"

"Eu estava refletindo aqui, e eu vi meu reflexo na água. Mas, não era eu...era, era outra coisa..." Diz ela, enquanto enxuga a lágrima. Mamãe está chorando. Isso é tão estranho... Eu não sei como confortar a mamãe igual ela faz comigo. Será que um abraço ajuda?

Ao ouvir essas palavras saindo da boca dela, meu coração bate ainda mais forte e eu sinto  um arrepio no corpo inteiro. Isso me deixou com medo, mas não posso dizer a ela, porque nem tudo é sobre mim. Abraço-a por um momento e me agarro no pescoço dela, porém ela me afasta para me olhar. Ela não quer um abraço. "O que você quer dizer?"

"Eu não sei... Eu só... Acho que estou com medo do que pode acontecer", mamãe diz, enquanto faz os sinais com a mão e me olha. "É claro que eu não vou deixar nada de ruim acontecer com você, mas..."

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