Capítulo 1

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Elis Regina


Para a Alice, nada? Tudo!

Para a Elis, nada?Tudo!

Alice, Elis! Alice, Elis!

Meus olhos estão grudados no rostinho alegre da minha nenê, que está batendo palminhas em meu colo, enquanto a "turminha" canta parabéns para nós duas.

Há um ano, Alice — minha Solzinho — chegava ao meu mundo, no dia do meu aniversário, em primeiro de maio. Hoje completo vinte e quatro anos. E a sensação que tenho é que minha filha sempre fez parte da minha vida; não consigo imaginar uma vida na qual seu sorriso, suas gargalhadas, sua doçura não estejam dando-me força para suportar os fardos que carrego.

— A gente já pode cortar o bolo, Eli?

Ponho minha atenção em Ronaldo, meu meio-irmão de dez anos. Eu sei qual é o motivo de sua afobação. E não é porque está ansioso para experimentar o bolo de aniversário, que nossa vizinha, minha querida dona Neuza, fez. Ele está desesperado para se juntar aos amiguinhos que estão chutando bola no campinho improvisado no final da rua. Naldo sonha em seguir os passos de seus homônimos: os jogadores Ronaldo Fenômeno e Ronaldinho Gaúcho. Algum dia jogará futebol no Corinthians — é o que diz quase diariamente.

— Tenha paciência, menino! Primeiro sua irmã tem que assoprá as velinha e fazê um pedido. A Alice ainda é miudinha; a pobizinha não entende nada disso. Mas a mãe dela sim!

Destino um sorriso à dona Neuza, que está do outro lado da mesa, entre Ronaldo e meu outro meio-irmão, Enzo. Conheci-a aos quatro anos, quando minha mãe faleceu. Meu pai, enlutado, sofrendo, sem familiares em São Paulo, pediu à "vizinha da frente", recém-chegada à comunidade, que o ajudasse com sua filha única... E o resto é a história de uma preciosa relação de afeto.

— Vou deixar pras crianças assoprarem as velinhas e fazer os pedidos, Nê. Eu já sou bem grandinha pra isso. — Troco Alice de braço. Quando minha nenezinha vai começar a andar? Acordei hoje me perguntando isso. Sim, sim, estou ansiosíssima por esse grande momento!

— Oxente, mas o aniversário é teu, menina! Deixa de bestage! Apague logo essas vela e faiz um pedido bem bonito, mas quietinha pra não azar!

Inclino a cabeça para o lado, ampliando o sorriso. Adoro esse jeitinho arretado e, ao mesmo tempo, amoroso dessa baiana de Chorrochó, que ao longo de seus sessenta e dois anos já chorou várias mortes — assim como eu —, mas não permite que nada extinga o brilho que irradia de seu ser.

— Quer que eu seguro a Licinha pra você apagar as velas, Eli?

Sempre prestativo e proativo, Enzo contorna a mesa e para na minha frente. Ele puxou ao nosso pai; graças ao bom Deus, a única característica que herdou da mãe (minha má-drasta), a exemplo de Ronaldo, são os cabelos encaracolados, escuros.

— Obrigada, amorzinho. — Entrego Alice em seus braços. Enzo é mais alto que a média dos garotos de treze anos (também outra herança genética de papai); tem quase a minha altura: 1,63m.

Olho para os três "convidados" — Enzo, Ronaldo e dona Neuza — e Alice, que está encantada com as bexigas vermelhas e brancas presas com fita crepe na parede da sala, logo atrás de mim. Eles são as pessoas que mais amo. São as únicas pessoas que, tenho certeza, me amam de volta.

Suspiro pesado. Faltam duas pessoas nesta sala. Malva e Pietra saíram, de propósito, para não participarem da comemoração. Minha madrasta e minha meia-irmã são "diferenciadas" — um eufemismo que suaviza os traços tóxicos de suas personalidades.

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