Capítulo 3

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Elis Regina

Estou descendo a Rua Augusta quase correndo. Já tropecei três vezes; em uma delas, um senhor, que estava passando ao meu lado, segurou meu braço, impedindo-me de cair de cara no chão.

Elis, minha filha, aceite: você nasceu com os dois pés esquerdos!

Desvio o guarda-chuva de uma árvore e por muito pouco não dou uma guarda-chuvada num rapaz que vem no sentido contrário. Para piorar minha situação de desastrada, hoje amanheceu chuviscando.

Some meu jeito atrapalhadinho de todos os dias mais a chuva. O resultado é: estou atrasadíssima!

Meu expediente de trabalho no Coffe Shop começa às 9h. Faltam uns três minutinhos para eu chegar lá e, com certeza, já passa das nove! Quando saí da Estação Consolação do metrô, eram, segundo o relógio da plataforma, 8h55. Só que entre o metrô e a cafeteria são 15 minutos de caminhada - em passos rápidos!

Eu deveria ter arrumado um emprego mais perto de casa...

Estou falando como se houvesse escolha!

Tenho que levantar as mãos para o céu por ter sido chamada na Coffe Shop, depois de enviar duas dúzias de currículos em toda vaga de atendente que vi pela frente.

Cheguei a fazer algumas entrevistas - três, sendo exata - antes de ser contratada pela dona Cláudia. Mas, assim que mencionava a existência da Alice e o fato de ser mãe solo, recebia a resposta padrão: "Nós entraremos em contato".

Adivinha? Sim: não houve contato. Minto: a dona de uma lanchonete me ligou e me surpreendeu com sua cara de pau, ao dizer que, por enquanto, estava empregando mulheres sem filhos, que representavam menos riscos para seus negócios.

O semáforo fecha (mais essa!) bem na hora que chego ao cruzamento com a Alameda Lorena. Na verdade, estou atrasada desse jeito porque Alice acordou manhosa, não queria sair do bercinho, demorou até aceitar a mamadeira.

Eu já deveria prever que quando o frio chegasse minha nenezinha sofreria com nossa rotina...

Coloquei-a na creche aos três meses, porque tinha terminado minha licença maternidade. Porém, a dona da cafeteria da Vila Mariana - onde fiquei por três anos - me demitiu duas semanas depois, com uma desculpa esfarrapada de que estava cortando gastos devido a uma crise imaginária (o lugar vivia cheio!).

Eu ia chorando para o trabalho, pensando na minha Solzinho, tão pitiquinha, na creche, longe de mim, sendo cuidada por pessoas estranhas (as tias da creche são uns amores, mas... não são eu, a mãe). No começo, foi terrível! Pensei seriamente em ficar com ela em casa, o dia todo, enquanto estava desempregada. Só tinha um entrave: não podia ficar em casa, eu precisava procurar um novo emprego.

Atravesso a rua e ponho-me a correr. Se virar o pé e quebrá-lo, estarei muito ferrada! Vá com calma, olhando para o chão, Elis Regina Tavares da Fonseca!

Se eu tivesse um marido, as coisas seriam mais fáceis...

Tenho esse pensamento diariamente, é inútil lutar contra ele. Não consigo deixar de pensar que se Natanael não tivesse pulado fora de suas responsabilidades, se tivesse cumprido as promessas românticas que me fez antes da minha gravidez inesperada, tudo seria diferente. Eu não estaria me matando sozinha para a sobrevivência da Alice e a minha.

Ele era novinho quando começamos a namorar, tinha vinte anos. Mas eu também era; tínhamos a mesma idade! Isso não é desculpa para agir com tamanha falta de caráter comigo e com a filha.

O cara não quis conhecer a Alice! Sequer a registrou!

É muito pior: ele me acusou de ter engravidado de outro homem.

O caminho até você [DEGUSTAÇÃO]Onde histórias criam vida. Descubra agora