Leon
Eugênia está atrasada. Ou talvez eu tenha chegado cedo demais.
Estacionei minha moto na garagem do meu estúdio, a um quarteirão daqui, e vim direto para a cafeteria, capacete embaixo do braço, sem passar por meu escritório.
Estou ansioso pela iminente conversa com minha sogra. Não tenho ideia do que ela possa querer comigo. Embora nos falemos frequentemente - porque, de uma forma nada saudável, Eugênia agarra-se a mim no único intuito de manter viva a memória da filha -, ela não dá espaço para levarmos um papo que não envolva Teodora. Em geral, deseja compartilhar sonhos que teve ou lembranças da infância da minha esposa.
Pelo canto dos olhos, percebo a movimentação da garçonete que se aproximou há pouco desejando anotar meu pedido. A palidez da moça me assustou pra caralho. Ela alegou que teve uma tontura de nada e estava bem; eu não acreditei muito, mas não quis pressioná-la.
Contudo, o que me deixou encucado mesmo foi a sensação de familiaridade que experimentei ao olhar em seus olhos castanhos grandes, expressivos. É como se eu a conhecesse de algum lugar. Mas não tenho ideia de onde.
Não costumo vir a essa cafeteria. Devo ter vindo uma ou duas vezes nos quatro, cinco anos que ela está em funcionamento. Tem uma máquina de café expresso no estúdio. Isso poupa um tempão para arquitetos que possuem uma rotina insana, como eu e Breno.
Aliás, um arquiteto, geralmente, não tem uma rotina tranquila, dentro de um escritório, em horário comercial. Monotonia não é conhecida em nossa profissão. De manhã, visitamos obras que estão executando nossos projetos; à tarde, atendemos clientes. À noite, trabalhamos, em nossas casas, em novos projetos.
Por falar em trabalho e correria, não posso me esquecer de falar com o Breno sobre a contratação de uma nova recepcionista. Kátia não virá mais a partir de segunda-feira; ela conseguiu um estágio em sua área de estudo, desenho industrial.
Porra... odeio cuidar da parte administrativa do estúdio. Meu negócio é colocar as mãos na massa. Minha mente é dividida em dois compartimentos: técnico e artístico. Não há espaço para nada burocrático. Graças aos deuses, Breno Schöler gosta de mexer com o lado do empreendedorismo.
Alguma coisa choca com minhas costas. Giro o corpo e encontro minha garçonete pegando um borrifador de álcool do chão. Ele deve ter batido em mim antes de cair.
- Ai, desculpe! - ela pede, com os olhos arregalados.
- Não foi nada, meu bem.
A pele clara de seu rosto tinge-se de vermelho escarlate. Pressiono um lábio contra o outro. Tem algo de muito adorável em sua timidez e sua franja de menininha que me causam vontade de sorrir.
- Leon, querido, me perdoe pelo atraso.
Tiro meu foco da moça e deparo-me com Eugênia. Meu estômago revira. O suplemento proteico que tomei antes de sair de casa fermenta e um enjoo desgraçado desestabiliza meu organismo como se eu estivesse à deriva, num bote, em alto-mar.
Os encontros com minha sogra nunca foram cômodos para mim; mesmo muito antes da morte de Teodora. Eugênia provém de uma família riquíssima - sendo filha de um industrial do ramo de celulose - e se casou com um juiz - falecido faz uns oito anos - cuja carreira foi estelar. A impressão que sempre tive é que ela me olha de cima, avaliando meu pedigree, reduzindo-me a um cachorro que deve ter sua origem atestada. Ela sabe da minha origem pobre. Não vejo motivo para esconder isso de ninguém.
- Não precisa pedir desculpas. Não faz muito tempo que cheguei. - Ergo-me, cumprimentando-a com um beijo em cada lado do rosto, seguindo suas regras imutáveis de etiqueta (eu tremi na base quando Teodora me avisou, antes de me apresentar à minha sogra, que sua mãe era uma socialite conservadora e seguia rígidas regras de etiqueta). - Como você está, Eugênia?
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O caminho até você [DEGUSTAÇÃO]
Storie d'amoreElis Regina batalha para criar sozinha a filhinha de um ano. Morando na maior favela de São Paulo, Heliópolis, órfã, ela vive batendo de frente com a madrasta, que não perde a chance de minar a autoconfiança e os sonhos de Elis. Leon Pizzoli conhece...