O Primeiro Perigo

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Já fazia algumas semanas desde que Fernanda começara a trabalhar como minha guarda-costas. A presença dela era uma constante que eu não conseguia ignorar, uma sombra silenciosa que seguia meus passos em todos os lugares, até quando eu não sabia ela estava por ali me vigiando e cuidando de longe. Seus olhos escuros, sempre alertas, e sua postura rígida e disciplinada me lembravam a todo momento que minha vida agora estava sob uma vigilância implacável.

No início, eu resistia ferozmente à ideia de ter alguém tão próximo, monitorando cada movimento meu. Sentia-me como um pássaro enjaulado, privada da liberdade e da espontaneidade que sempre valorizei. Cada olhar de Fernanda, cada palavra medida que ela dirigia a mim fria e profissionalmente, eram lembretes constantes da minha posição de vulnerabilidade e do perigo que cercava meu dia a dia.

Hoje era um dia ensolarado e eu resolvi que queria fazer um passeio tranquilo, ir as compras e almoçar fora já que meu pai nunca tinha tempo para programas assim e meus poucos amigos tinham seus trabalhos e afazeres durante a semana. Estávamos caminhando no centro movimentado da cidade quando percebi um movimento estranho entre a multidão, alguns homens com roupas parecidas claramente nos seguiam. A tensão instantânea fez meu coração acelerar e me lembrar a realidade em que vivia. "Fernanda, o que está acontecendo?", perguntei, tentando manter a calma enquanto meu olhar buscava uma resposta em seu rosto sério e determinado, que mostrava que sabia exatamente o que fazer diante daquilo.

Ela não respondeu imediatamente, apenas me empurrou para trás de si, me protegendo e nos guiando para um beco estreito, e se posicionou entre mim e os agressores que emergiam do tumulto. Os momentos que se seguiram foram um borrão de ações rápidas e calculadas. Fernanda se movia como uma sombra mortal, neutralizando os homens antes que eles pudessem chegar até a mim e me causar danos irreparáveis.

Um dos agressores, o último de pé, conseguiu atingir Fernanda antes de ser contido pela bala que saira da arma da mesma. Quando finalmente viu que estavam todos abatidos, ela caiu de joelhos, uma expressão de dor momentânea cruzando seu rosto normalmente impassível. "Fernanda!", gritei, correndo para seu lado. Meu coração batia forte, uma mistura de medo, preocupação e gratidão entrelaçados.

"Estou bem", ela murmurou, embora sua respiração irregular e a palidez em seu rosto contassem outra história. Com cuidado, comecei a verificar seus ferimentos, tentando ignorar a sensação de vulnerabilidade que me invadia. "Você precisa de ajuda.", insisti, meus dedos tremendo ligeiramente enquanto eu tentava limpar o sangue que manchava sua roupa lentamente.

"Depois.", ela disse com firmeza, seus olhos escuros encontrando os meus em um instante de intensidade. "Primeiro, nós precisamos garantir que você esteja segura."

Aquelas palavras ecoaram em meu peito de maneira inesperada. Apesar de todas as minhas resistências e ressentimentos iniciais em relação a Fernanda, havia algo profundamente reconfortante em ter alguém disposto a sacrificar tanto por mim. Ela não era apenas minha guarda-costas; era alguém que estava lá, enfrentando perigos reais ao meu lado todos os dias. Não fazia isso só pelo dinheiro, como a mesma disse e provou ser verdade quando armei que a contratassem para trabalhar para outra pessoa pelo triplo do valor que meu pai pagava. Ela só escolheu estar ali e não temia nenhum risco, tudo pela pura adrenalina e desejo de completar essa missão, que era me manter viva e em segurança, era intrigante.

Enquanto ela se recuperava, me vi olhando para ela de uma maneira nova. Sob a dureza de seu exterior, havia no momento de dor uma vulnerabilidade que eu nunca esperava encontrar. E, talvez, algo mais — uma força de caráter que ia além de suas habilidades como soldado. Ela prometeu ao meu pai que me protegeria e daria mesmo sua vida para cumprir isso.

"Obrigada, Fernanda.", murmurei, deixando minha mão repousar por um momento a mais do que o necessário sobre a dela que tapava seu ferimento. Era um gesto simples, mas carregado de significado para mim naquele momento de revelação mútua. "Você meio que salvou minha vida aqui hoje né, então..."

Ela assentiu, um pequeno sorriso se formando em seus lábios enquanto ela recobrava a compostura. "E sempre vou, é meu dever."

Logo, Fernanda se recuperou por completo e me guiou para fora do beco, alerta para qualquer sinal de perigo enquanto nos dirigíamos para um local seguro. Meu apartamento foi a escolha óbvia, um refúgio onde poderíamos temporariamente escapar dos olhos e ouvidos indiscretos. Moro em um prédio dentro de um condomínio de extrema segurança e privacidade, por escolha própria, pensei que isso evitaria que meu pai colocasse alguém como ela na minha cola, mas me enganei, nada é suficiente para aquele velho babaca, como carinhosamente o chamo.

Assim que chegamos, convenci Fernanda a se sentar em uma poltrona enquanto eu procurava por um kit de primeiros socorros. Ela resistiu quando tentei examinar seu ferimento mais de perto. "Não é nada, eu vou ficar bem.", ela murmurou, sua voz um pouco tensa enquanto evitava pela primeira vez o meu olhar, que se apresentava um tanto inquisitivo.

"Fernanda, você briga comigo e me chama de teimosa, infantil e tudo mais por resistir à sua proteção com teimosia, e vendo o que rolou hoje, talvez eu seja mesmo e precise dar o braço a torcer. Mas agora é você que tem que deixar a marra de lado aqui, deixa eu ver isso logo, vamos.", insisti com mais firmeza, a olhando diretamente nos olhos. "Como vai me proteger se der, sei lá, uma infecção nisso mulher? Pense, a ferramenta do seu trabalho é você, deixe de teimosia!", resolvi apelar.

Notando nela um breve espanto pelas minhas palavras, tive receio, confesso que ela era um tanto misteriosa demais às vezes, e isso me dava certo medo, eu nunca sabia o que receberia dela. Nao que eu achasse que ela poderia me bater ou algo do tipo por meus atrevimentos, mas seu olhar era matador as vezes, feito o de um lobo feroz.

Mas para minha surpresa e alívio, senti que a expressão em seu rosto se suavizou por um breve momento antes de ela bufar e finalmente ceder, permitindo-me cuidar de seu ferimento.

Com habilidade aprendida ao longo dos anos cuidando dos ferimentos de meu pai, me ajoelhei a sua frente e limpei cuidadosamente o corte de faca em sua coxa, que felizmente não era tão profundo para precisar de pontos, e apliquei um curativo. Ela permaneceu em silêncio durante todo o processo, seus olhos fixos em algum ponto distante para não me olhar tão de perto. Era claro que não era apenas física a barreira que ela tentava manter, havia uma muralha que a separava de qualquer forma de vulnerabilidade e intimidade com as pessoas.

"Pronto.", eu disse suavemente, recuando um pouco para dar espaço. "Sei o quanto exige de si e que provavelmente tá se xingando mentalmente por isso ai, mas se ferir faz parte em casos assim, acontece. O importante é não acabar como aquela dezena de homens que você derrubou feito pinos de boliche hoje. Apesar disso e de ter me deixado preocupada e brava por incipalmente não querer se cuidar, você fez um ótimo trabalho hoje, senhorita Villa.", falei por fim dando uma leve batidinha em seu nariz. Era algo meu com minha falecida mãe, acabei fazendo sem perceber com quem estava replicando o ato. "Perdão por isso, eu me deixei levar."

Ela finalmente olhou para mim, um misto de satisfação pela aprovação de seus serviços e algo mais profundo que não pude decifrar brilhando em seus olhos escuros. "Tá tudo bem... Você, bom, você também fez um ótimo trabalho senhorita, obrigada por isso.", respondeu finalmente, apontando para o curativo, sua voz carregada de uma sinceridade que tocava algo dentro de mim.

E assim, naquele momento de quietude e intimidade inesperada, nós apenas se olhando como se não fosse estranho estarmos fazendo isso, percebi que entre nós havia começado a surgir algo mais do que uma simples relação de proteção e protegida. Talvez fosse apenas eu e a carência por eu ser sozinha demais devido ao isolamento que o estilo de vida de meu pai me obrigada a ter, mas senti que um vínculo se forjava entre nós nas batalhas enfrentadas juntas, na rotina compartilhada, às vezes sem palavras serem necessárias já nos entendíamos, uma confiança mútua começava a se enraizar.

On Guard | PitandaOnde histórias criam vida. Descubra agora