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Meu pai e eu costumávamos ir a praticamente todas as corridas. Ele é, junto com Piero Ferrari, vice-presidente da Ferrari.

Cresci imersa no mundo do automobilismo, uma paixão que se intensificou após a partida prematura da minha mãe. Encontrávamos no box da Ferrari um refúgio, um lugar onde podíamos nos esconder da dor de perdê-la tão cedo, tão jovem, tão cheia de vida.

Foi em uma dessas idas que conheci Carlos Sainz. Era sua corrida de estreia na Fórmula 1, na Austrália, em 2015, pela Toro Rosso. Ele sempre foi magnífico, intocável, e quatro anos mais velho do que eu, que tinha apenas 17 (quase 18) anos na época. Lembro-me vividamente do dia em que o vi pela primeira vez, sua presença forte contrastando com a ausência dolorosa de minha mãe.

Lembro das exatas palavras de meu pai quando a corrida acabou: "Garoto talentoso esse, hein, Liv. Mas tem algo nele que não me agrada nenhum pouco, não sei te dizer o que, mas não me agrada." Ri naquele momento, mas hoje vejo que ele talvez tivesse razão. Lembro da gargalhada que Carlos Sainz soltou quando contei isso a ele depois do nosso primeiro beijo. Quem dera eu tivesse te ouvido, pai...

Conheci Carlos de fato após nos esbarrarmos na saída de um dos muitos banheiros do paddock, um encontro que parecia destino.

"Meu Deus! Me desculpa, eu não te vi," ele falou rapidamente quando nos esbarramos, segurando meus ombros e com seus olhos arregalados.
Ele era e continua sendo, uma escultura grega: o nariz saliente, a boca do tamanho certo, o cabelo que, mesmo suado e rebelde, ficava no lugar que deveria ficar, tudo parecia ser milimetricamente calculado para me apaixonar em Carlos Sainz. Sem saber o que dizer, eu apenas sorri e continuei meu caminho, mas antes de desaparecer da vista dele, ouvi-o reclamando baixinho, mas não o suficiente: "¡Parece que no prestas atención por donde andas!"

Virei os calcanhares rapidamente na direção do espanhol novamente. Como ele se atrevia a falar dessa maneira comigo? Voltei para onde ele estava. "¡Sí presto atención, quien parece no prestar mucha eres tú! Entraste al baño de mujeres, cabrón," apontei para a placa na porta para ele. Satisfeita com a expressão surpresa dele, virei-me novamente e segui meu caminho.

E foi nesse exato momento que me apaixonei.

Nossa história depois disso não foi muito conturbada. Nos encontrávamos escondidos pelos cantos do paddock que só eu e ele passamos a conhecer, conhecíamos cada centímetro, cada passagem, cada beco, mapeamos todos os paddocks de todos os países que eu conseguia acompanhar a corrida de perto. Eu fugia para o trailer da Toro Rosso sempre que dava, inventando desculpas esfarrapadas para meu pai não desconfiar de nada.

Quando Carlos pontuava, comemorávamos juntos em segredo, escondidos, baixinho. Algo só nosso. Nesses dias, Carlos guardava para mim um pedaço do bolo que a equipe dividia. Quando a corrida não terminava bem, eu também estava lá e era eu quem levava um doce, nessas vezes não havia medo de alguém nos ouvir, Carlos deitava no meu colo e chorava baixinho e eu chorava com ele.

Na última corrida antes das férias de verão, enquanto estávamos em sua salinha no trailer de sua equipe. Carlos, mais uma vez me falou que não queria mais manter as coisas entre nós escondidas, ao contrário de mim, que temia a reação do italiano arrojado com sotaque forte que eu chamo de pai.

"Liv, eu vou falar com seu pai, vou pedir permissão, vou fazer o que for necessário. Não podemos continuar assim... por favor," ele falava de maneira suplicante, enquanto acariciava meus cabelos.

Mais uma vez, eu neguei e pedi paciência. Acreditava que as coisas se resolveriam com o tempo, como sempre dizia para ele.

Por algum motivo, que até hoje não entendo, naquele momento eu sabia que Carlos havia se apaixonado profundamente por mim naqueles meses também. Não sei se foi o tempo que passamos juntos ou a constância da minha presença em sua vida agitada, mas eu sentia isso em cada toque, em cada olhar e em cada sorriso que o espanhol direcionava para mim. Carlos não era dado a palavras românticas, mas seus sentimentos transbordavam através de gestos sutis; não havia dúvida do quanto ele me amava.

Carlos e eu morávamos em Madri. Apesar de meu pai ser italiano e trabalhar para a scuderia também italiana, minha mãe nasceu e cresceu na capital espanhola. E ele se agarrava a qualquer lembrança que pudesse manter viva uma parte dela, fosse Madri ou eu.

Percebi que estava profundamente apaixonada por Carlos Sainz em poucos meses, mas só entendi o quanto naquela primeira noite das férias de verão, quando ouvi a campainha tocar lá embaixo e reconheci instantaneamente as duas vozes.

"Boa noite, senhor Agnelli."

"Carlos?"

Ainda me lembro de como meu estômago deu três voltas dentro de mim, de como meu coração acelerou. Cada mínimo detalhe, cada pequena sensação está gravado na minha memória como um filme que não precisa de reprise.

Desse dia até o dia em que tudo acabou, se passaram quase sete anos. Sete anos deixados para trás em menos de meia hora. As vezes me pergunto se tudo foi uma invenção da minha cabeça na tentativa de me fazer sentir melhor, se sete anos foram apenas uma ilusão, uma história bem encenada, apenas uma comodidade. Foi tudo uma mentira pra você, Carlos Sainz?

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⏰ Última atualização: Jul 07 ⏰

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Onde você me deixou | Carlos Sainz C.S 55Onde histórias criam vida. Descubra agora