1: Um anjo sobre o gelo

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João Vitor Romania

23 de outubro de 2022

Os meus patins deslizavam sob o gelo de formar cortante com ferocidade e determinação enquanto a música reverberava alta na arena de gelo vazia.
Era engraçado como a minha própria cabeça trabalhava quando a lâmina cortante dos meus patins atingiam o chão gélido. Alí, com o vento soprando no meu rosto enquanto pego impulso para realizar o meu salto, todos os meus problemas são arremeçados para o espaço e a única coisa que ronda pela minha cabeça é se o meu próximo passo sairia com êxito ou não.

Contudo, nós últimos 18 meses eu não conseguia mais sentir o triunfo dominar o meu corpo, na verdade, quando as luzes da arena se apagavam e por fim eu arrastava o meu corpo exausto para fora, a única coisa que parecia me dominar era a angústia.

Nunca tive problemas familiares, meus pais trabalharam o suficiente para dar uma vida confortável para mim e para minha irmã, meus amigos de infância, Renan e Malu, permanceram fielmente comigo, mesmo após o fim do colegial, nunca me envolvi em brigas e namorei apenas com duas pessoas durante toda a minha vida. Quem olhasse de fora realmente não veria problemas na vida de um jovem qualquer aspirante a um atleta olímpico, na verdade, não deveria existir problemas em mim.

Mas desde que a última temporada se foi onde eu fui desclassificado das regionais, a angústia, falta de ar e o ritmo acelerado e descompensado que o meu coração batia contra o peito parecia nunca ser capaz de me deixar em paz. O que antes era algo passageiro agora fazia morada em mim praticamente a todo o momento.

A merda da ansiedade me fazia sentir como um peixe fora d'água; deslocado e afobado.

Dou o meu máximo para empurrar todos aqueles pensamentos para um lugar mais distante da minha cabeça, tudo que eu tinha que me importar naquele exato momento era se nos próximos segundos o meu triplo axel se sairia perfeito

Pegando um pouco mais de impulsos, respiro fundo sentindo o ar denso e gelado entrar nas minhas vias respiratórias, umideço levemente os lábios, mania que eu tinha desde a infância, fecho os olhos e salto.

Enquanto eu giro, uma, duas, três vezes no ar, uma fina esperança me faz acreditar que dessa vez será diferente; que eu conseguiria finalizar aquele salto que por muito tempo na minha adolescência pareceu estar sobre o meu controle. Entretanto, na aterrissagem, meus pés se embolam no gelo, quase como se eu tivesse desaprendido a patinar, meus joelhos balançavam esquisitos, e um leve medo me abala antes do meu corpo atingir o chão.

- Mais que merda!
Fecho os olhos esmurrando o gelo, nem tão forte ao ponto de me machucar mas de um jeito apto a descontar um pouco que seja da minha frustração.
Puxo o ar com força reprimindo o meu choro enquanto me levanto.

Como punição eu deveria dar 15 voltas em torno da arena.

Antes que eu conseguisse dar início ao meu exercício minha visão paralela capta olhos atentos me observando.

Eram onze da noite de um sábado. Eu havia entrado escondido na esperança de treinar sozinho, quem quer que estivesse ali, não deveria estar.

Calmamente me viro encarando de volta o moreno, de cabelos hidratados e pele levemente bronzeada, em pé na pequena parede de proteção onde divide a arena de gelo das arquibancadas.

Pisco algumas vezes, tinha algo fascinante no homem, não sei ao certo se era sua maneira de me observar, sua aparência atraente, ou o pequeno sorriso desafiador que ele carregava em seus lábios.

- Esses são erros de iniciante, e você não parece um. Se você pula com a perna direita, então é a esquerda que precisa dar o apoio necessario, flexionando levemente os joelhos no ângulo de noventa graus.

Singular - pejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora