2: Intrigante e um verdadeiro caos.

136 26 79
                                    

Pedro Tófani

24 de outubro de 2022

A música baixa dos Beatles tocava através dos meus fones de fio enquanto distraidamente eu fazia dois sanduíches de queijo com atum defumado, o favorito de Henry.

Minha relação com Henry era bem engraçada, o idoso meio rabungento mas de alma boa havia entrado na minha vida quando eu tinha recém completado os meus 19 anos, sendo um vizinho bem chato que reclamava todas as sextas-feiras do som alto do meu apartamento. Aos poucos, uma pequena amizade entre nós dois foi surgindo, e os xingamentos do homem para mim foram substituídos por conselhos gentis e ensinamentos de vida. Na época, Henry ainda era um pouco independente e vez ou outra sua única filha visitava ele. Mas hoje em dia era diferente, eu havia me mudado, não era mais o seu vizinho, não faço mais festas às sextas-feiras, nem muito menos sua filha tem o costume de visitá-lo mais.

Após a descoberta do seu câncer no pulmão, consequência das duas maços de cigarro que ele fumava diariamente, seu mundo pareceu desabar de vez, ele estava solitária e à deriva da morte, e eu simplesmente não pude mais deixá-lo de mão.

Não sei ao certo quando as minhas visitas ao seu apartamento ficaram tão recorrentes após a minha mudança, ou quando eu comecei a ter um maior cuidado com ele, mas no fundo, eu sentia que talvez, tais tratamentos poderiam ter relação com a morte do meu pai.

Não era culpa por não ter lutado mais pelo meu pai, mas sim uma oportunidade de fazer diferente. Não queria substituir, só sentia que eu precisava daquilo. Talvez eu tivessa assumido uma responsabilidade que não cabia a mim, mas se não fosse eu quem estaria alí por Henry?

— Meu isqueiro? Você escondeu não foi, garoto?
O idoso me pergunta assim que eu ponho o prato com um dos sanduíches na sua frente.

— Você estava fumando escondido de mim no banheiro e achava que eu não iria descobrir?
Pergunto indignado dando uma mordida no meu pão.

— Me deixe ser feliz, melhor! Você já pode ir embora, sua namorada deve estar sentindo saudades, vamos, saia!
Henry diz emburrado falando de boca cheia.

O conhecia o suficiente pra saber que isso era apenas birra sua, no fundo, ele queria que eu fosse embora apenas para bisbilhotar as gavetar e tentar achar o tal isqueiro.

Isqueiro esse que eu já tinha jogado fora junto com os maços de cigarro que eu encontrei escondido nas suas coisas.

— Amelia tá trabalhando e eu não pretendo sair daqui tão cedo.

— Eu não preciso de babá, garoto.
Ele diz bufando.

— E eu estou longe de ser a sua!

Dou mais uma mordida me sentando ao seu lado.

— Você não deveria perder mais tanto tempo comigo, a porra desse câncer tá me consumindo mais a cada dia, não vale a pena você derperdiçar a sua vidinha careta comigo.

—  E quem disse que eu estou disperdiçando, Henry? Ao contrário do que você pensa, só estou aqui para me livrar o mais rápido de você. Sabe... fiz questão de evenenar hoje mais cedo esse sanduíche de atum que você tá comendo com tanto gosto.
Digo arqueando as sobrancelhas.

O idoso para de mastigar instantaneamente antes de levantar o seu dedo do meio para mim e gargalhar.
— Vai se foder, garoto!

— Já te disse o próximo passo é colocar o seu apartamento no meu nome e levar Santiago para a minha casa.

Henry caça o gato amarelo que estava deitado nos seus pés levando até o peito de modo protetor.

— Não faça graça, pelo Santiago eu dou a minha vida!

Singular - pejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora