3: Meu patinador favorito

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* este capítulo possui conteúdo sensíveis à crises de ansiedade, caso alguma cena te cause desconforto sugiro a interrupção da história. Sua saúde mental deve estar sempre em primeiro lugar.
Boa leitura!

João Vitor Romania

1 de novembro de 2022

Na última semana Whistler, a cidade não tão grande da Colúmbia Britânica, passou por grandes mudanças climáticas, fazendo os moradores tirarem os casacos mais grossos do armário, e com o congelamento de alguns canais de água, irem para as pistas de patinações ao ar livre.

E isso era ótimo. Com as crianças se aglomerando nas pistas a céu aberto, a arena de gelo central acabava ficando um pouco mais calma. Era bom não precisar se preocupar em treinar apenas tarde da noite.

Hoje, Malu e Renan decidiram me acompanhar com a desculpa de que não tinham nada pra fazer em casa, não que eu achasse ruim a companhia deles, é só que deve ser chato pra cacete ficar me vendo se estabanar no chão centenas de vezes.

- É sério, vocês podem dar uma volta por Whistler, vou passar a tarde inteira aqui, não vai ser nada legal me assistir.

Renan dá de ombros sentando na arquibancada.
- Você nunca se incomodou em deixar a gente ver os seus treinos...

- E eu não me incomodo, só fico preocupado com vocês.

A morena ao lado de Renan arqueava a sua sobrancelha direita, seu semblante de desconfiada, enquanto me ouvia falar.
- O que você tá escondendo da gente, Jão?

Bufo impaciente calçando os meus patins.

- Eu não tô escondendo nada! É só que acho que regredi desde a última vez que vocês me assistiram.

- Impossível, você treina feito louco todo santo dia, só sai daqui pra trabalhar e dormir...

Permaneço calado.

Exatamente. Eu só treinava, incansavelmente e não havia melhora nenhuma. Esse era o motivo pelo qual as minhas noites de sono se tornavam mais turbulentas e ansiosas.

Eu sabia que sem o controle das minhas crises de ansiedade e de um treinador, minhas chances de molhorar eram mais difíceis. O grande problema é que esse tipo de situação fugia do meu alcance; não era o primeiro nem o segundo treinador que pedia demissão e a ansiedade... bem, a ansiedade sempre estaria alí independente do que eu fizesse para controlá-la.

- Tá vendo? Impossível você ter regredido. Agora deixa de timidez e mostre pra gente que em 2026 a medalha de ouro das olimpíadas de inverno é sua!
Malu bate animadamente as mãos ao lado de Renan que sorria esperançoso.

Me despeço deles em um suspirar frustrado enquanto caminho até a arena sendo vigiado a cada movimento meu.

Eu estava cansado de decepcionar todos eles.

Entre soluços me forço a levantar do gelo. Estava cada vez mais difícil ignorar o sentimento de exaustão física e mental que eu sentia.

Quatro incansáveis horas já haviam se passado mas a coreografia de "Rocket Men" continuava se repetindo na minha cabeça como um jogo sujo de tortura voltando a me recordar o quão merda eu estava.

Fecho os olhos prendendo o choro.

Era tão humilhante saber que eu sempre estaria fadado a isso, não é como se eu pudesse largar a patinação e seguir outros rumos, outros sonhos, outras conquistas, eu estava preso a ela de uma forma tão cruel e verdadeira que me fazia pensar que eu precisava mais da patinação do que de ar para respirar, eu me sentia vivo por ela, é o desejo de brilhar que continua a me impulsionar e a não desistir, mesmo que eu estivesse perdendo uma vida por conta disso.

Singular - pejãoOnde histórias criam vida. Descubra agora