O piano

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Coloquei a pétala de rosa no livro e o devolvi à estante bem na hora em que passos ecoaram no corredor. Parecia que alguém vinha diretamente à biblioteca.

Fui flagrada.

Wednesday entrou na sala. Estava apenas com uma camisola de cetim preta com renda. Se ficou surpresa por me ver, não demonstrou. Acendeu uma pequena luminária.

- Enid - cumprimentou, como se fosse a coisa mais natural do mundo que eu estivesse na biblioteca às duas da manhã.

- Não conseguia dormir.

- E decidiu que a poesia lhe daria sono? - perguntou ela, notando onde eu estava parada. - Então, vamos fazer um jogo?

E recitou:

"Ela anda na beleza, como a noite De firmamentos sem nuvens e céus estrelados: E o que há de melhor nas trevas e na luz Encontra-se em seu aspecto e nos olhos..."

Wednesday sorriu para mim.

Dê o nome do poeta.

-Lord Byron. - cruzei os braços. - Sua vez.

"Durmo contigo e acordo contigo,
Entretanto tu não estás ali;
Encho os braços com pensamentos de ti,
E aperto o ar comum"A diversão se acendeu em seus olhos.

— Eu devia saber que não podia sugerir um concurso com uma bibliotecária formada em inglês. Este não sei de quem é.

— John Clare. Ponto para mim.

Um sorriso malicioso iluminou seu rosto.

— Tente este - disse. E prosseguiu:

"Que teu coração profético
Não me anteveja nenhum mal;
O destino pode fazer a tua parte,
E teus temores se realizarão."

Bom, este era enigmático. Semicerrei os olhos.

— John Donne.

Ela assentiu.

— Sua vez.

Respirei fundo e pensei no poema que li na noite de quarta-feira, aquele que havia sido uma revelação para mim. Será que ela reconheceria?

"Deste-me a chave de teu coração, amor; Então por que me fizeste bater?"

Eu sei, falei-lhe com os olhos. Eu sei. Eu quero isto. Eu quero você. Nenhuma surpresa de Wednesday, apenas o sorriso que aqueceu meu coração.-

John Boyle O'Reilly - disse. - E dou um ponto a mim mesma por saber os versos seguintes:

"Oh, isto foi ontem, pelos santos dos céus! E na noite passada - troquei a fechadura!"

Isto é novo para mim, sua expressão me alertava. Deixe-me fazer do meu jeito. Eu podia deixar assim.

— Então está empatado. - Afastei-me da estante, passando o dedo pelo sofá de couro.

— Então, por que veio à minha biblioteca a esta hora da madrugada?

Ela assentiu para o piano.

Vim tocar.

Posso ouvir?

— É claro. - Ela se sentou no banco e começou a tocar. Minha respiração ficou presa. Era a música do meu sonho. Era real. Era Wednesday.

Ouvi chocada a música que tanto tentei encontrar em meus sonhos. Não sabia quanto tempo tinha se passado enquanto me sentava e escutava. Talvez o tempo tivesse parado.

E Wednesday...

Eu podia ficar ali para sempre vendo Wednesday. Era como se ela estivesse fazendo amor. Seu rosto se tornou um retrato da completa concentração. Os dedos eram suaves e gentis, acariciando as teclas. Acho que às vezes me esquecia de respirar. A melodia ecoava na noite, dando um toque de melancolia à luz do luar.

A Submissa-Wenclair | Parte 1/3Onde histórias criam vida. Descubra agora