Sabe qual é a pior parte em trabalhar com atendimento ao público?
O público.
Pessoas estranhas, faltando um ou dois, às vezes até mais parafusos, que em vez de simplesmente dizer o que precisa ficam me enrolando e acabando com minha paciência. Mas eu não reclamo do meu emprego, não totalmente pelo menos.
Foi absurdamente difícil encontrar uma vaga de emprego quando finalmente terminei meu curso, e para piorar, os custos de vida eram muito mais caros do que eu imaginava quando ainda morava no interior. Meus pais me bancaram por muito tempo até que finalmente encontrei uma vaga para assistente de um Consultório Odontológico, aqui no centro de Belo Horizonte.
Depois que fui chamada me lembro de ter pulado de alegria enquanto contava a novidade para minha família através de uma videochamada. Minha mãe abençoou meu chefe de todas as formas que conseguiu, mesmo ele não fazendo a mínima ideia ele me ajudou muito.
Passaram um pouco mais de dois anos e hoje em dia eu sinto que esse meu (nem tão) querido chefe vai acabar me deixando louca, junto com seus pacientes problemáticos.
— Atende meu cavalo? — É, a mulher parada na entrada do consultório segurando uma corda comprida, a qual na outra ponta tinha um animal que eu torcia para ser fruto da minha fértil imaginação – mesmo sabendo que não era – era um deles. — Estou levando para ser vendido, porém ele comeu alguma coisa que deixou seu dente mole.
Respire Tereza, um... dois... três...
— Sinto muito senhora, não podemos ajudá-la.
— Aqui tem um dentista, não?
— Tem sim, mas não atendemos animais.
— É um caso de urgência menina.
— Sinto muito.
— “Sinto muito, sinto muito’’ se estivesse sentindo tanto assim já tinha ido até seu chefe e dito que há uma pessoa para ser atendida.
— Não há pessoas para ser atendidas, apenas um animal, e nós não atendemos animais. — Comecei a alterar a voz. — Olha, láaaa no final da avenida tem uma clínica veterinária, eles provavelmente te darão um atendimento adequado.
— Estou com pressa. — Insistiu mais alto. — Ou chame seu chefe ou eu mesma o gritarei daqui.
— Já disse que... — As palavras sumiram da minha boca quando vi a cena seguinte: aquele cavalo simplesmente começou a defecar na minha calçada de cerâmicas brancas. Eu não sabia se ficava com nojo ou irritada. — Já chega!
Gritei, o resto de decência e educação indo embora do meu corpo como se fosse fumaça.
— Escute bem, minha senhora. Não vamos atender seu animal, e não atenderíamos nem se fossemos uma clínica veterinária. Eu não atenderia a senhora nem se estivesse pintada de ouro, nem se estivesse com uma montanha de ouro do tamanho da sujeira do seu cavalo. Eu não a atenderia, minha senhora, nem se você fosse a primeira-dama, tudo por causa da sua falta de noção. — A rua movimentada parou para nos encarar, mas eu estava dando pouca importância para aquilo. — Então limpe essa sujeira e tire o pocotó daqui.
Os olhos da senhora duplicaram de tamanho e seu rosto ficou vermelho de estresse.
— Como ousa gritar comigo sua má educada?! — Surtou.
— Mau educado o seu cavalo que cagou na minha calçada!
— Que gritaria é essa aqui? — A voz que veio de trás de mim me fez paralisar imediatamente. Respirei fundo e me virei para trás, dando de cara com ele.
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Raízes Amargas, Amores Doces
RomanceMaria Tereza - normalmente chamada apenas de "Tereza" ou até "Terezinha" pela sua melhor amiga - trabalha como assistente odontológica no centro de Belo Horizonte, em um consultório chamado 𝙎𝙤𝙧𝙧𝙞𝙨𝙤 𝙁𝙚𝙡𝙞𝙯, onde sua paciência é testada dia...