Memória singular

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Eu não te esperei de braços cruzados tampouco com os olhos fechados, estive procurando distrações a todo segundo que me permiti navegar com as pupilas pelas ruas e notar sua ausência. Para lidar com a ansiedade causada pela falta de saber seu paradeiro, eu me embriaguei com cada gota daquela garrafa como se fosse a cura para minha visão terrivelmente boa, que me perfurava com a vista belíssima da praça se enchendo sem a sua chegada, ou para minha memória extravagante, que me revirava com as duas últimas mensagens que diziam que você viria. Quem lê até pensa que a situação foi dotada de drama, romantismo ou alguma graça que se possa justificar esse texto, a verdade é que foi tão irrelevante quanto um carro no deserto, a vulgaridade e insalubridade sim, me acompanharam aquela noite, uma madrugada que eu não vi chegar mas que imagino tão claramente quanto minha última refeição, e é disso que meus dias tem sido feitos. Eu faltei me contentar com a sua falta, mas o bom foi que você veio, não me deu oi, não posso dizer que me viu assim facilmente, mas quando viu, alimentou uma deselegância rude por não se dar o trabalho de vir até mim e dizer qualquer mísera palavra que ecuasse na minha cabeça pelos próximos dias suprindo minha necessidade de presença. Houveram muitos olhares, é claro, olhares comuns, mornos, mas foi o suficiente, durante meia hora te idolatrei silenciosamente a distância, então fui embora, deixando minhas últimas esperanças na calçada instantes antes de entrar no ônibus, que eu torci para que derrapasse no asfalto molhado da chuva.

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