Capítulo 1-Pequena Herança

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O sol estava se pondo lentamente sobre o pequeno vilarejo, tingindo o céu de tons de laranja e rosa enquanto Seraphina caminhava pela trilha sinuosa que levava à colina. Seu coração batia forte no peito, misturando-se à ansiedade e à excitação de encontrar Zara mais uma vez. Cada passo a levava mais perto do lugar onde eles podiam escapar das expectativas e das regras da pequena comunidade.

A colina era um refúgio de paz e serenidade, com uma vista deslumbrante do vilarejo abaixo. Era ali que Zara costumava estar, esperando por Seraphina com um sorriso tímido que iluminava seu rosto delicado. A garota de cabelos enrolados sentia uma conexão profunda com Zada, algo que ia além das palavras e da compreensão racional. Era como se suas almas se entendessem perfeitamente, como se estivessem destinadas a encontrar uma na outra um refúgio contra as convenções que as cercavam.

Sentaram-se juntas na grama macia, observando as primeiras estrelas aparecerem no céu noturno. Zara tinha uma maneira tranquila de falar, sua voz suave como um sussurro da brisa que balançava as folhas das árvores ao redor.

-Angioletta por que sempre volta aqui?- Zara perguntou, seus olhos castanhos encontrando os de Seraphina com curiosidade e ternura.

Seraphina suspirou, sentindo-se grata por poder compartilhar seus pensamentos mais íntimos com alguém que a entendia tão completamente.

-Aqui, neste lugar, eu me sinto livre. Livre para ser quem eu realmente sou, sem as amarras das expectativas e das tradições que meu pai tanto preza.- Zara assentiu com compreensão. Ela própria conhecia bem as limitações impostas pela comunidade.

-Eu também sinto isso, Angioletta. Às vezes, parece que estamos presas em gaiolas invisíveis, não é?

Seraphina olhou para Zara com admiração. Como alguém tão jovem poderia ter uma visão tão clara do mundo ao seu redor? Ela ansiava entender mais sobre a vida além dos limites daquele vilarejo conservador e cheio de traições , mas sabia que essa jornada poderia ser perigosa e solitária.

-Zara, já pensou no que aconteceria se alguém descobrisse sobre nós?-Seraphina perguntou, um arrepio de medo percorrendo sua espinha ao pensar nas consequências daqueles pequenos encontros.

Zara apertou suavemente a mão de Seraphina, transmitindo coragem e determinação.

-Se o amor que compartilhamos é verdadeiro, então devemos ser corajosas o suficiente para enfrentar qualquer desafio juntas. Não podemos permitir que o medo nos impeça de viver nossas vidas como desejamos.

As palavras de Zara ressoaram profundamente no coração da jovem garota. Ela sabia que havia verdade naquelas palavras, uma verdade que ela tinha que abraçar se quisesse encontrar a felicidade verdadeira. Juntas, elas observaram as estrelas se multiplicarem no céu, compartilhando um momento de silêncio confortável que dizia mais do que qualquer palavra poderia expressar.

Zara observava a lua cheia através da janela do seu quarto, enquanto os pensamentos tumultuavam sua mente. A luz prateada penetrava o aposento silencioso, lançando sombras sobre o chão de madeira gasta. Ela se sentia como se estivesse em uma encruzilhada entre duas naturezas irreconciliáveis. Desde que Seraphina foi embora ela só pode pensar.

Desde jovem, fora ensinada por seu pai sobre a herança obscura que corria em suas veias. Descobrirá cedo que sua mãe era Lilith, Zara herdara não apenas a beleza e o afeição irresistível, mas também os impulsos e desejos que a puxavam para caminhos sombrios. Seu pai, um homem de vários pecados, tentara guiá-la pelo caminho certo, ensinando-lhe os preceitos do cristianismo como um antídoto contra os instintos pecaminosos, ele não queria que ela se tornasse ele.

Contudo, Zara descobrira que nem mesmo a devoção religiosa podia silenciar os anseios de sua linhagem maldita. No silêncio das noites insones, ela sentia as tentações se insinuando, a voz sussurrante que a chamava para o proibido. Era uma batalha constante entre o que ela era e o que desejava ser. Ela sabia que nunca poderia experimentar do sexo, seria perigoso demais para sua companheira, ela sabia que seja lá o que ela tenha herdado de sua mãe aquilo poderia matar Seraphina, sua energia vital seria drenada toda vez.

Enquanto Zara lutava contra seus demônios internos, Seraphina, enfrentava suas próprias lutas emocionais. Ela fora ensinada desde pequena sobre os perigos das tentações mundanas. Mas o amor que sentia por Zara era algo que não podia evita e na realidade ela não queria evitar.

Seu quarto era frio de mais, ela gostava do abraço de Zara, era tão acolhedor e aconchegante, ela desejava ficar com a garota por mais tempo, mas sabia que seu pai nunca permitiria que dormisse naquela casa. Seu pai, por mais que seja o pastor, ele abominava as ações e o caráter do pai de Zara, o homem só não era como todos os outros habitantes do vilarejo, e por ser diferente, era tratado com indiferença.

A jovem garota queria que as coisas fossem diferente do que era, quanto se deitou em sua cama gélida, chorou, ela não sabia o porquê ou o motivo, mas aquilo a aliviou temporariamente.

À medida que o verão se estendia sobre o vilarejo. Zara e Seraphina se encontravam cada vez mais unidas. Os dias quentes eram preenchidos com risadas compartilhadas à beira do rio e passeios pelas colinas verdejantes que cercavam suas casas. No entanto, por mais tranquilo que aquilo poderia parecer, uma sombra pairava sobre Zara.

Era um segredo que ela carregava desde a infância, um segredo que jamais ousou compartilhar com ninguém. Zara tinha receios profundos sobre como Seraphina reagiria quando a contasse, mas ela tava decidida a contar. Uma tarde, enquanto colhiam maçãs no pomar de sua casa, Zara finalmente decidiu contar o que tanto a atormentava.

-Seraphina - começou Zara, seus dedos nervosos puxando as folhas secas de uma macieira próxima.- Há algo que preciso te contar. Algo que tenho escondido por muito tempo.

Seraphina parou de colher e olhou para Zara, vendo a seriedade em seus olhos azuis como o céu da primavera.

-O que é, Zara? Pode me contar qualquer coisa.

Respirando fundo, Zara soltou a cesta no chão e se aproximou da garota, segurou as mãos de Seraphina nas suas com força.

-Eu... eu não sou quem todos pensam que sou. Há algo sobre mim, sobre minha família... algo que pode mudar tudo.

O coração de Seraphina disparou. Ela sempre soube que Zara carregava um fardo, algo que a afligia profundamente às vezes, mas nunca imaginou que fosse tão sério.

-Zara, não importa o que seja. Eu estarei ao seu lado, não importa o quê.

Com lágrimas nos olhos, Zara contou a história de sua família, o segredo que guardava a sete chaves em seu coração, e como isso a afetava diretamente. Seraphina ouviu atentamente, segurando as mãos de Zara com firmeza, parecia que a qualquer momento a morena desmontaria, com isso absorveu cada palavra como se fosse uma promessa silenciosa de apoio inabalável.

Quando Zara terminou, um silêncio pesado pairou sobre elas. O sol poente tingia o céu de tons de laranja e rosa, criando um cenário sereno que contrastava com a turbulência de emoções dentro delas.

-Seraphina...- murmurou Zara , temerosa da reação da única pessoa que realmente importava.

A de cachos sorriu suavemente e puxou Zara para um abraço caloroso.

-Zara, não importa o que aconteça. O que importa é o que temos aqui, entre nós. E isso é real, é amor. Estaremos juntas, enfrentando o que vier. Eu te protegerei e cuidarei de ti- prometeu.

Zara se sentiu um peso sair de seus ombros. O medo ainda estava lá, é claro, mas agora compartilhado com alguém que a amava verdadeiramente. Elas se abraçaram por longos minutos, deixando o amor e a aceitação que sentiam uma pela outra iluminar o caminho à frente.

O sol se pôs lentamente sobre as macieiras, aquela noite, testemunha silenciosamente um segredo revelado e um amor fortalecido pela coragem de enfrentar o desconhecido, juntas.

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