2° Capítulo: As fitas

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— Filha, vamos, leve isso rápido, é melhor se apressar — disse uma mulher com cabelos loiros bagunçados, aparentando ter por volta de 45 anos.

— Arghh — resmungou a pequena menina, lutando para carregar um cesto de roupas quase do seu tamanho. As peças pesavam mais do que ela esperava, mesmo assim, não reclamava; queria ajudar sua mãe da melhor forma possível.

Depois de muito andar, elas finalmente chegaram ao riacho, que se situava em uma densa floresta com troncos altos e firmes. O sol forte refletia através das folhas opacas, criando um mosaico de luz e sombra no chão da floresta. O som da água corrente oferecia um momento de tranquilidade em meio à rotina exaustiva.

Enquanto lavavam as roupas descontraidamente, a menina tentava imitar cada gesto de sua mãe, seguindo seu exemplo. A mulher contava histórias sobre sua juventude, e a filha ouvia atentamente, fascinada pelos contos de um tempo que não conhecia. A tranquilidade do momento foi quebrada quando a mulher ouviu um barulho vindo de trás dos galhos. Seu corpo estremeceu imediatamente.

— É melhor irmos, filha. Deixe aí o que sobrou. Não foi uma boa ideia virmos a essa hora — disse ela num tom estranho, como se conhecesse aquele lugar e o que habitava lá. Seus olhos se moviam rapidamente, procurando entre as sombras, enquanto o instinto de proteger sua filha se intensificava.

As fitas apresentavam falhas e chiados durante a reprodução, deixando nítido o quão antigas elas eram.

Em um piscar de olhos, quando a mulher se virou de volta para o riacho, viu uma mão sombria e pálida puxando sua filha para baixo d'água. Imediatamente, ela se viu paralisada diante daquela situação, sem saber se aquilo realmente estava acontecendo ou se era fruto de sua imaginação fértil. Enquanto tentava voltar a si e tomar uma atitude, algo gritava em sua mente: "CORRA! SAIA DAÍ, DEIXE ELA!" Mas quem a conhecia sabia que ela jamais faria isso. Era como se estivesse tendo uma paralisia do sono acordada; aquilo não parecia real. Afinal, como poderia uma mão simplesmente surgir do nada e levar seu bem mais precioso para as profundezas? 

No entanto, aquilo não era uma alucinação. Quem dera se fosse. Ela precisava agir, mas, infelizmente, poderia ser tarde demais. Naquele instante, a sensação de que talvez nunca mais veria sua filha a invadia. Em uma tentativa desesperada de alcançá-la, tropeçou e caiu nas pedras escorregadias que a cercavam.O pânico a dominou completamente e, sentada ali, a única coisa que conseguia avistar eram os últimos fios de cabelo da menina, que se perdia lentamente nas águas turvas daquele local.

As fitas saíram do ar por exatos três segundos, que se arrastaram como uma eternidade para Elizabeth, que mal conseguia respirar após o que acabara de testemunhar. Determinada a desligar o aparelho, ela se aproximou, mas antes que pudesse agir, a imagem voltou de maneira inesperada, como se o equipamento tivesse vida própria, decidindo quando e quanto ela deveria ver.

Mas, logo em seguida, a tela exibiu o que pareciam ser reportagens da época, documentando o evento trágico da mãe e sua filha, com telejornais cobrindo a história e afirmando que ambas nunca mais foram vistas. Sem o menor aviso prévio, a fita foi ejetada, como se a mesma ordenasse: "— Coloque a próxima."

EJECT

Elizabeth ficou estática, suava frio. Suas mãos tremiam levemente e seu corpo arrepiava dos pés a cabeça, literalmente. Ela se inclinou, observando a caixa à sua esquerda. Tirou a fita do aparelho, deixou-a em cima da mesa, separada das outras, e colocou a próxima para assistir. Mesmo com medo, mesmo com todos os seus outros sentidos dizendo para parar, algo em sua cabeça por curiosidade insistiu: "assista". Ela ouviu seu pensamento. Então, apertou novamente aquele botão.

PLAY

(Narrado por uma voz de uma velha senhora.)

"Rustin Parr era o responsável pelo poço da cidade, conhecido por sua bondade ao distribuir água para quem precisasse. Sua imagem era a de um homem confiável, ele também foi um dos fundadores do orfanato News House, prometendo abrigo às crianças sem lar. Contudo, em 1940, essa figura aparentemente comum mergulhou em uma escuridão completamente maligna.

Em uma cena inimaginável, levou oito crianças para uma casa isolada no coração da densa floresta da cidade vizinha, onde ninguém com boas intensões colocava o pé. Nesse ambiente envolto em trevas, consumou o que tinha premeditado: matou cinco delas. Dominado por uma voz demoníaca, acreditava estar seguindo ordens de uma figura encapuzada que empunhava uma forca, mandando-o sacrificar toda e qualquer figura aparentemente inocente.

Enquanto executava cada uma a sangue frio, as crianças restantes, amarradas e apavoradas, eram forçadas a testemunhar o horror, incapazes de desviar os olhares de desespero pois o mesmo havia as colocado em um lugar estratégico, exatamente para não terem saída.

Duas semanas após o massacre, a ironia se fez presente. O responsável foi encontrado enforcado em frente à sua própria casa. O que poderia ter levado alguém tão bondoso a um ato tão desumano?."

Um som agudo e agonizante foi emitido. A fita ficou completamente sem sinal. A tela estava dividida com diversos retângulos coloridos, indicando que não havia mais nada gravado ou que ela já havia visto o bastante.

▲ EJECT

Elizabeth tirou a fita recém-assistida do aparelho no mesmo instante. Colocou-a junto com a outra que estava na mesa separada, passou fita adesiva nas duas e as guardou em sua mochila. Levou-as para o seu quarto e voltou para a sala. Passou fita adesiva na caixa para ninguém mais abrir, correu até uma gaveta, pegou uma caneta permanente e escreveu em letras grandes "BONECAS", para ninguém desconfiar.

Ela pegou a caixa, que devia conter mais umas cinco fitas, e guardou-a debaixo de sua cama. Olhou pela janela e percebeu que a lua já estava brilhando no céu. Se deu conta de que devia ser por volta das 8:00 horas da noite. Foi até o fogão, onde viu sua mãe e seu pai jantando.

— A sopa está quente — disse Raquel, sua mãe, enquanto colocava uma tigela quente sobre a mesa.

— O..obrigada, mãe. Amanhã tenho um longo dia — respondeu Elizabeth, pegando o prato e se retirando rapidamente. Naquele momento, não conseguia encarar ninguém. A fome havia desaparecido, e seu plano era deixar a comida no quarto, para que a mãe não percebesse. As imagens vívidas das vísceras das crianças assombravam sua mente, como se a cena se repetisse a cada segundo. Ela precisava disfarçar; no dia seguinte, teria que retornar à sua rotina pacata e fingir que nada havia mudado. Mas, afinal, isso poderia mudar alguma coisa?

Ao chegar em seu quarto, tirou suas roupas, uma a uma, deixando-as jogadas sobre o balcão. Em seguida, entrou na banheira já cheia de água quente, preparada por sua mãe. Mergulhou lentamente, permitindo que a água acolhesse seu corpo, mas ao esticar a mão para pegar o sabonete, deixou-o escorregar e cair no chão.

Ao se abaixar para pegar o sabonete, um som perturbador a fez congelar: era como se alguém estivesse arranhando o espelho com unhas afiadas. O coração disparou enquanto ela levantava lentamente a cabeça, a ansiedade crescia a cada instante. No reflexo, uma forca estava desenhada, grotesca e ameaçadora. Ao lado, nove espaços aguardavam serem preenchidos com uma palavra, como se fosse um convite macabro para um jogo que ela não desejava participar.

Paralisada pelo horror, uma onda de tontura a envolveu, fazendo com que os olhos se fechassem involuntariamente. Quando os abriu novamente, a realidade a atingiu como um soco no estômago: o sótão, a maldita caixa... todas as decisões que a levaram até ali pareciam um erro impensável. A sensação de que algo a observava intensificou o medo, e ali, naquele exato instante, teve a completa certeza que jamais devia ter apertado o play.

O CarrascoOnde histórias criam vida. Descubra agora