1° Capítulo: A caixa do sótão

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Naquela manhã, surpreendentemente, o sol parecia brilhar mais intensamente. Fazia muito tempo que a neve não parava de cair sobre a pacata cidade de Evernight, que, embora normalmente fosse um pouco movimentada, se tornava um deserto de inatividade quando o inverno chegava. Poucos se atreviam a sair da frente das lareiras ou de suas camas quentes. No entanto, a jovem tinha um espírito indomável. Todos os dias, independentemente da estação ou do mês, ela saía por volta das sete horas da manhã para sua habitual caminhada até o orfanato News House, onde trabalhava, por incrível que pareça, de forma voluntária.

— Filha, você já vai? — perguntou sua mãe enquanto preparava o café no fogão a lenha.

— Mãe, eu já estou atrasada! — exclamou, já se dirigindo apressada para a porta.

— Pegou o casaco? — indagou a mãe, sem perceber que a filha já havia saído. — Essa garota...

Enquanto caminhava pela cidade, a jovem cumprimentava todos que cruzavam seu caminho, acertando os nomes sem hesitação. Aquilo se tornara um ritual sagrado que seguia religiosamente todos os dias.

Ao chegar ao orfanato, abriu o portão com suas chaves e logo o trancou novamente. No velho pátio, havia uma igreja e um cemitério ao fundo; no centro, um antigo poço de onde a água era retirada, e ao lado do poço, uma enorme árvore, cujos galhos eram largos e com poucas folhas devido ao inverno rigoroso. Os troncos pareciam ter milhares de anos, apresentando uma beleza que, ao mesmo tempo, era ameaçadora.

Entrando na construção, a jovem abriu devagar a porta com a mão direita e avistou as crianças sentadas em fila na mesa do refeitório, já tomando seu café da manhã. Sorriu e soltou uma piscadinha para elas, que retribuíram com sorrisos sujos de leite e migalhas de pão.

Ao entrar na secretaria, avistou a Sra. Smith, que a observava de canto de olho, abaixando os óculos com as mãos e voltando a se concentrar nos papéis, sem oferecer um cumprimento. A presença da mulher era sempre uma mistura de temor e respeito;

— Bom, a senhora havia pedido para falar comigo, sobre o que seria? — perguntou, tentando manter a compostura.

A Sra. Smith largou o que estava fazendo e a encarou com uma expressão séria.

— Sente-se. — Ela suspirou e continuou após a jovem obedecer. — Foi você quem quebrou a porta que dá para o sótão?

— N-não, eu nem ao menos subo lá. Bem, subi para pegar algumas caixas há alguns meses, mas não fui eu. — respondeu, um pouco nervosa.

— Então a porta se quebrou sozinha agora? Ou vai culpar as crianças? Conserte aquilo pra ontem, entendeu? Pode se retirar. — A Sra. disse sem deixar espaço para defesa ou explicação, de forma rude, um tom que já era familiar.

A jovem ouviu em silêncio, absorvendo cada reprovação sem contestar. Com um suspiro contido, dirigiu-se ao almoxarifado, encontrou uma escada robusta, que rapidamente pegou e carregou até o quarto das crianças, então a posicionou cuidadosamente sob a porta do sótão, que exibia sinais evidentes de dano.

A manivela, caída no chão em pedaços, revelava que alguém havia tentado forçar a entrada de maneira brutal. Parecia que, durante toda a noite, a porta havia sido alvo de golpes implacáveis, como se alguém estivesse desesperadamente tentando arrombá-la. O cenário deixava no ar uma inquietante sensação de que algo obscuro cervaca aquela situação.

Depois de subir a escada, esticou o pescoço para observar o que havia lá em cima. Para sua surpresa, uma caixa estava caída no chão, algo que achou estranho, pois na última visita não havia nada ali. Entrou sem hesitar e, ao se aproximar das caixas, percebeu várias fitas cassete espalhadas pelo chão. Reuniu todas rapidamente, fechou a caixa e a trouxe consigo para baixo. Com um martelo, pregou a porta do local com alguns pregos, garantindo que ninguém mais entrasse.

Guardou a escada no seu devido lugar, junto com os outros itens que havia pegado. Em seguida, foi até o quarto das crianças, levando a caixa com as fitas. Decidida a manter seu achado em segredo, colocou a mesma em um pequeno quartinho onde costumava deixar suas coisas, sabendo que ali ninguém a encontraria.

Depois de um momento de contemplação, sentada e encarando as fitas com uma curiosidade quase obsessiva, lembrou-se de que não podia permanecer ali por muito tempo. Se alguém desconfiasse e as encontrasse, seus planos poderiam ir por água abaixo e, talvez, jamais saberia que segredos ela escondia. Disfarçadamente, escondeu a caixa de maneira segura e voltou a cumprir suas obrigações diárias, tentando afastar a ansiedade que crescia dentro de si.

O dia passou lentamente, e a expectativa aumentava a cada hora. A curiosidade em descobrir o que havia por trás das fitas e quem as havia deixado ali tornava-se quase insuportável. Assim que terminou suas tarefas, pegou a caixa discretamente e saiu apressada pela porta dos fundos, caminhando rapidamente até chegar em casa. Assim que entrou, correu até o aparelho de vídeo, ligou-o na tomada e colocou a primeira fita que encontrou de forma aleatória, pegou o controle, e apertou o play.

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