Prólogo

396 40 8
                                    

Sunset Bay, fim do verão de 1995.

Os dias eram sempre quentes em Sunset Bay. Mesmo quando chovia no início da manhã, o sol sempre surgia por detrás das nuvens como se tivesse, apenas por um momento, saído para descansar. A pequena Lauren Jauregui, de 8 anos, observou atentamente a forma como os raios solares faziam parecer que milhares de pequenos diamantes brilhavam na superfície do mar. Ela sentou na areia quente, criando singelos montinhos de areia dourada e fina sobre seus pés. O vento bagunçava seus curtos cabelos castanhos, trazendo consigo a espessa maresia, que parecia grudar em sua pele, antes pálida, que agora mostrava sinais do verão passado na casa de praia dos pais. Ela analisou como as ondas batiam sobre as rochas que enfeitavam a costa, criando um som quase ritmado. Havia barcos de pesca ancorados ao largo, mas sem sinal de banhistas ao seu redor.

Seus olhos desviaram por um momento para a casa branca de telhado azul que parecia enfeitar, de forma elegante, a beira da praia. A cerca de madeira que rodeava a propriedade aparentava, simbolicamente, separar a casa dos Jaureguis do restante do mundo. Não era a única casa robusta naquela margem da Praia das Ostras, mas era, definitivamente, a mais bonita. Lauren acenou para seu pai, que estava de pé na varanda. Ele acenou de volta brevemente; o telefone  posicionado ao seu ouvido e a expressão pouco simpática demonstravam para ela que o homem estava ocupado, como teria estado muitas vezes durante as férias que se passaram. Com um acenar de cabeça, ele indicou o interior da casa, e a menina entendeu que era um sinal para que ela voltasse. Assentiu e assistiu quando o homem desapareceu do seu campo de visão, entrando pela porta da varanda.

Com um impulso, ela se levantou, chutando um pouco da areia ainda presa em seus pés, e bateu as mãos, também sujas, tentando se livrar da sensação incômoda causada pelos grãos que aderiam insistentemente à sua pele. Ela caminhou em direção à água para se lavar; a passos pequenos, sentiu quando as ondas quebraram gentilmente sobre seus pés e, conforme andava, cobriam seus tornozelos, joelhos e torso. Lauren mergulhou rapidamente quando uma onda um pouco maior rumou em sua direção, emergindo em seguida. Seus olhos acompanharam uma figura que surgia mais ao longe, conseguia identificar a silhueta do que parecia ser uma prancha de surfe ao lado do corpo pequeno. Seu momento de distração fez com que, ao pisar em falso para o lado, sentisse seu corpo ser arrastado para trás.

Seus pés já não tocavam a areia do chão, e ela tentou, inutilmente, usar a força de seus braços para se impulsionar à frente, enquanto era puxada ainda mais para trás pela corrente. Lauren não era uma má nadadora, mas o que ela não sabia naquela idade é que até mesmo os melhores nadadores poderiam ser tragados por uma corrente de ressaca. Ela poderia ter tentado manter a calma e nadar para fora do canal, mas esse tipo de pensamento racional era muito para se esperar de uma criança cujos pés já não conseguiam sentir o mínimo sinal do chão. Seus braços batiam agressivamente, tentando sustentar a cabeça acima da água, mas já apresentavam sinais de fraqueza quando, em seu último esforço, conseguiu gritar em uma lufada de ar.

- SOCORRO!

Ela se debateu e tentou impulsionar o corpo para a frente, falhando mais uma vez. A água salgada parecia queimar o trajeto de seu nariz até os pulmões quando tentou puxar o ar. Seus pés balançavam freneticamente, mas, apesar de seus primitivos esforços de sobrevivência, já não conseguia manter o rosto para fora da água por mais de dois segundos. Estava se afogando.

Como a maioria das crianças de sua idade, Lauren não estava bem familiarizada com o conceito de morte. Durante o ano anterior, seu hamster Larry, que seu pai havia lhe presenteado como bicho de estimação aos cinco anos, já não tinha a mesma energia de antes. Ele deitava preguiçosamente em sua gaiola durante o dia quase inteiro, às vezes mesmo quando a menina tentava, inutilmente, alegrá-lo com um petisco. Um dia, ao voltar da escola, a gaiola de Larry estava vazia. A garota pensou que ele pudesse ter escapado ou se escondido pela casa. Ao questionar seu pai sobre o paradeiro do bichinho, ele disse que o hamster teria ido para um lugar melhor.

- E qual lugar seria melhor do que aqui comigo? - indagou com olhos verdes confusos, fazendo com que o homem moreno respirasse de forma efusiva.

- Larry foi para o paraíso dos bichinhos, meu amor - disse Marcus, sentando na poltrona da sala e confortando a filha em seu colo. - Agora ele não está mais doente, pode brincar para sempre.

- Então isso não tem volta? - perguntou chorosa, recebendo um aceno negativo em resposta.

Enquanto sentia a água do mar arder em seus pulmões, Lauren não podia afirmar que estava prestes a morrer, porque tal conceito era complexo demais para seu entendimento infantil. Mas, antes que seus olhos se fechassem lentamente, um último pensamento ocupou sua mente: isso não tem volta.

E, então, olhos castanhos. Olhos castanhos, gentis e preocupados, lhe encaravam por entre a brecha de seus olhos verdes pesados. Ela escutava sua voz ao longe, mas não conseguia discernir o que era dito, adormecendo outra vez.


Os olhos verdes se abriram brevemente, fechando-se rapidamente quando atingidos por luzes fortes que lhe causaram incômodo. Quando voltaram a se abrir, ela pôde enxergar sua mãe sentada em uma poltrona próxima. Olhou ao seu redor por um momento, conseguindo identificar que estava deitada em uma cama de hospital. Os olhos cansados de sua mãe encontraram os seus, e ela levantou-se de um solavanco, caminhando até a beira do leito da pequena Jauregui.

- Meu amor, graças a Deus. Como você está se sentindo? - suas mãos gentis acariciaram os cabelos da menor.

- Cansada - a pequena disse, retirando a máscara de oxigênio que cobria seu nariz e boca.

Marcus adentrou o quarto com dois copos de café em mãos, suspirando aliviado ao ver que a filha já estava acordada. Ele depositou as bebidas sobre a cômoda e sentou-se ao lado de Lauren.

- Minha garota forte - ele disse de forma terna.

Lauren fechou os olhos novamente. Estava cansada como nunca antes estivera e, quando tentava respirar mais profundamente, sentia o peito doer. Tentava lembrar com detalhes de tudo que lhe acontecera, mas a única memória, vinda como uma dor aguda em sua têmpora, era a dos olhos castanhos.

- Onde está a menina? - perguntou, olhando novamente para a expressão furtiva de seu pai.

- Que menina, meu bem? - perguntou sua mãe, franzindo o cenho.

- A que me tirou da água, quem me salvou.

- Não, meu amor - a voz terna da mãe encheu seus ouvidos. - Você conseguiu sair sozinha e nadar até a costa. O papai te encontrou na areia.

A menina nada disse, apenas assentiu, confusa. Poderia ter delirado; não seria muito difícil, tendo em vista o contexto, mas não achava que era fruto de sua imaginação. Algo dentro de si, como um pressentimento alimentado por algo maior, lhe dizia que aqueles olhos gentis voltariam a cruzar seu caminho. E, de fato, voltariam. Como um eclipse inesperado que esconderia o sol incessante de Sunset Bay, tantos anos depois, os olhos de Lauren voltariam a ver seu reflexo nos olhos castanhos, trazendo consigo algo que mudaria para sempre o curso de suas vidas.

Corrente de retorno | CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora