capítulo I: a piedade que cai sobre nós, primeira parte

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Era quase inverno, mas a neve já havia cercado toda a área que compreendia o norte. Ainda faltavam mais de três semanas para o solstício, mas a paisagem manifestava-se branca por toda a parte, exceto pelos pinheiros e suas folhagens na beira da estrada aberta.

Piotr sentava-se num tronco caído enquanto aparava a barba loira com sua navalha. Vestia-se numa pele de lobo, com o focinho do bicho servindo de capuz. Bem a frente estava o trenó, cheio de pedaços cortados de madeira, e, ao seu lado, o machado que ele deixou na neve enquanto respirava. Cada expiração soltava um vapor branco no ar perto de sua boca.

Estava na hora de retornar para a vila. Ele enfiou a mão no bolso do casaco e de lá retirou uma corda, para depois pegar o machado no chão e amarrar o cabo à própria cintura, escondendo a arma por debaixo da pele de lobo. Ia deixando pegadas rasas na neve enquanto passava em meio àquele largo corredor entre o bosque de coníferas. Arrastava pela alça ao trenó, que também deixava um rastro. Tal estrada levava rumo ao sul, por onde os cavalos do segundo-lugar passavam para trazer trigo.

Mais à frente viu os muros de madeira feitos de troncos verticais e sua torre de sentinela. Havia um portão de ferro aberto, na qual encontrava-se Rach, um rapaz de longos cabelos marrons e barba curta já crescida, apesar da idade jovem. Ele gritava para Piotr de um jeito não compreensível, mas mesmo assim o suficiente para o alarmar e fazê-lo largar a alça e deixar o trenó para trás.

Logo Piotr apressou-se e correu na direção dos portões. Isso até que chegou perto do rapaz e pode entender o que este dizia.

- chefe, tem um desgraçado para execução.

Ambos entraram na vila. Bem ali no pátio, cujo chão era feito de pedras encaixadas uma nas outras, podia-se ver a mesma imagem de sempre, com a casa de Piotr um pouco mais à frente, ao lado da casa inabitada que antes pertencia a alguém que mudou-se, além do corredor entre estas e mais outra moradia.

A imagem incomum era de um infeliz, que era segurado pelos dois braços pelos guardas Samel e Liev, sendo o primeiro um homem jovem de cabelos castanhos e o segundo um tanto mais velho e de cabelos já grisalhos. Também vestiam-se em casacos de frio e carregavam cada um uma espingarda nas costas.

Embora tentasse se soltar, os dois guardas prendiam ainda mais o infeliz, e, conforme ele fazia força, mais eles apertavam seus ombros.

Num banco mais afastado dali estava sentada uma moça, de cabelos tão negros quanto os de Rach. Ela tremia os membros superiores, sem lançar sequer um olhar nos olhos do infeliz. Não fazia nada senão olhar para as pedras que formavam o piso enquanto sua pele se mantinha instável. Então o rapaz surgiu pelo corredor com um copo de água, e, pondo a mão no ombro dela, conseguiu convencê-la a beber, enquanto ele permanecia sentado no banco ao seu lado.

Sara, uma senhora idosa observava aflita a situação, com um pano cobrindo sua cabeça. Tentava sempre esconder as mãos debaixo do véu que usava nas costas e cobria até mesmo seus braços. Ficou um pouco receosa ao ver Samel chutar a perna do infeliz e fazê-lo cair de joelhos no chão do pátio. Ficou assustada ao ver que uma pequena multidão de gente formou-se para ver aquilo.

Piotr desamarrou o machado de sua cintura e com leveza escorou a ponta na testa do desgraçado, uma vez que ele estava de joelhos, mirando com seus olhos bem no rosto do seu julgador.

- acredito que não posso decidir isso sozinho. - disse o líder. - bem, o que diz sobre isso, Samel?

- você deve. - respondeu o primeiro guarda, ao lado do ajoelhado.

- e você, Liev?

- já está tarde. - disse o segundo.

Piotr desviou os olhos ao banco e perguntou o mesmo ao rapaz, que mal lhe deixou terminar a frase.

Livre servidão, primeira parte: passagemOnde histórias criam vida. Descubra agora