capítulo V: ponho um pano em meu rosto, para evitar que respire este ar impuro

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[28 de novembro] - Após alimentar os cavalos, Lekarstvo estava no pátio, sentado na mesma cadeira de antes, parecendo ter esquecido a preocupação com os dois irmãos de lenhadores, que saíram a pouco tempo para o bosque.

Dessa vez possuía um outro livro em mãos, escrito de forma legível a todos da vila , diferente daquele outro em capa de couro, escrito em língua estrangeira.

Vez ou outra vinha um suspiro daquela casa trancada por uma corrente e cadeado. A menina tentava ler o que tinha nas páginas passadas pelo médico.

— sobre o que é essa história? — ela perguntou.

— é sobre uma raposa e uma loba. — dessa vez ele não se esquivou da atenção alheia. — quer que eu te conte?

— quero! — Ester estava mais interessada nas figuras do que nas palavras. 

Naquela tarde de céu claro e sutil, Lekarstvo começou a história. Os portões fechados e a quietude de Live na sentinela indicava que talvez os lenhadores fossem demorar a retornar.

— “antes eram contados relatos de um imperador criado por uma loba”, — ele começou. — mas além desta, conheço uma outra, envolvendo o mesmo animal, e te juro alta. — “a loba considerava a si mesma a rainha de todos. Destemida, vagava por vales, que seja mais interessante.” — ele lançou um sorriso, pois gostava de atuar ao ler em voz cruzava florestas e amava a liberdade. Nenhum dos animais se atrevia a atacá-la, e alguns chegavam a se curvar diante dela, e elogiá-la, e a vangloriar seu nome. Chegaram a fazer uma coroa de ossos para sua majestade, rainha dos bichos, dona de tudo”.

— eu gostei.

— “quando ela engravidou, exigiu que os outros animais lhe trouxessem pedaços de carne para suprir seu alto apetite, com a ameaça de terem sua pele arrancada e feita de ninho.”

A interpretação era tão cafona que Liev estranhou ao observar aquilo, lá no alto do muro.

— “alguns não tinham nem para si mesmos ou para os próprios filhotes, então arrancaram um pedaço das próprias pernas e entregaram para a loba. E as aves, uma vez não tendo carne nas patas, arrancaram um pedaço das próprias asas”.

Ele fechou o livro.

— por que parou? — Ester inconformou-se. — cadê o resto da história?

— estou com sede, vou beber água. Mas te prometo que continuo assim que voltar. — disse Lekarstvo, entrando no corredor entre as casas.

Ester esperou ali, sentada naquele alicerce de uma porta. O cão da vila aproximou-se dela, com a boca ainda cheirando a carne crua. Parecia estar com sede também.

Em breve o médico retornou com um copo para si e uma bacia com água, a qual ele colocou no chão para que o cachorro bebesse. E após hidratar a si mesmo e ao cão, sentou de volta na cadeira, abriu o livro e retornou.

— “os pequenos lobos nasceram. A mãe disse que estava esfomeada, e que tinha toda uma descendência para criar. Sempre carregava os filhotes junto a si”.

— e depois?

— “depois, ela ordenou a águia que entregasse seus ovos, e, com medo, a ave mentiu: disse ter apenas três, sendo que, na verdade, tinha quatro, na esperança que o remanescente pudesse nascer.” — apontou que havia falhas na forma de governar da loba. 

— “ordenou a mãe cervo que entregasse seu filho único, mas ela negou e escondeu sua cria atrás de si. A loba deu-lhe um tapa no rosto e seus filhotes arrastaram o pequeno cervo para o abate.”

Livre servidão, primeira parte: passagemOnde histórias criam vida. Descubra agora