Três minutos.
Foi o tempo que cheguei atrasado para a aula da Srta. Seo.
Pode parecer um tempo bem curto, mas ela não tolerava atrasos nem mesmo por milissecundos.
Por falta de opção, o garoto que detestava eventos humilhantes, não teve outra escolha senão se humilhar mais uma vez.
A única razão de ela ter perdoado o atraso e permitido minha presença na aula foi por ter conhecimento de que o dormitório masculino dos alunos gerais não era assim tão próximo do prédio das salas de música.
Aparentemente, na cabeça deles, fazia muito mais sentido que professores e até mesmo os zeladores dormissem próximo. E é claro, os alunos especiais, cujos quartos são individuais e regozijam de todas as prioridades que podem possuir dentro do campus — e fora dele.
Infelizmente, para meros mortais, como eu, não importava muito que tivessem que correr para o outro lado do campus. Assumo que tenho certa parcela de culpa. Mas, caramba, não custava nada um quarto mais próximo.
E antes que pensem o porquê não sou um aluno especial mesmo meus pais sendo musicistas renomados que o público aguarda ansiosamente para assistir suas apresentações, acreditem ou não, nesse universo existem pessoas que estão muito acima de nós.
— Ele gosta de ser o centro das atenções, professora. — O garoto com sobrancelhas em forma de pássaro abre um sorriso ladino, e é acompanhado de outros alunos que reagem rindo ao seu comentário.
— Silêncio, Park Jongseong! Não autorizo brincadeirinhas na minha aula. — Srta. Seo repreende.
Ele se curva pedindo desculpas, mas todos sabem que é apenas formalidade. Ele sequer deve ter se sentido repreendido de fato.
Park Jongseong. O único filho de um importante pianista da Coréia do Sul. Isso porque seu pai fazia parte da tríade que representava a música clássica na Coréia.
Apesar de ser registrado com o nome coreano, com exceção das formalidades nas aulas, ele atende externamente pelo nome americano Jay, uma vez que cresceu nos Estados Unidos.
Muitos poderiam pensar que, pela enorme influência de seu pai, o piano seria o único caminho que Jay teria que seguir, mesmo pressionado.
Mas não foi o caso.
Ao ouvir ele tocando, posso assegurar, mais do que ninguém, que ele tem um amor muito grande pelo piano.
Incrivelmente, ele domina também outros instrumentos. Mesmo não tendo carinho por ele, posso dizer que o que corre em seu sangue é a música e não as hemácias*.
— Não liga! Ele é quem gosta de ter atenções. — Sunoo comenta baixinho, me puxando para perto de si. Meu corpo molenga e sem energia apenas segue o embalo.
— Muito bem. Deixem suas partituras sobre a mesa. Irei sortear quem tocará o quê. — Srta. Seo comenta batendo sua batuta na mão. Era uma ferramenta desnecessária visto que não éramos necessariamente uma orquestra, mas ela tinha esse hábito que, infelizmente, me deixava enjoado pois o laranja ecoando a cada batida era muito salgado.
— Como assim, professora? Não iremos tocar nossas próprias composições? — Sunoo pergunta para meu alívio, pois o tutti-frutti adocicado de sua voz conseguia mascarar o salgado da batuta da Srta. Seo. Se não fosse por ele, eu duvido muito que conseguiria assistir às aulas dela.
— Eu nunca disse que vocês fariam isso.
Sunoo suspira e me lança um olhar derrotado.
Assim que todas as composições e arranjos estão sobre a mesa dela, Srta. Seo começa a chamar nome por nome e distribuir os folhetos aleatoriamente, se certificando que os alunos não recebam sua própria autoria.
Ao ler o nome do autor da composição que fiquei responsável por executar, quase vomito, literalmente falando. O cheiro amargo de chocolate recém preparado saindo das letras me atingiu em cheio. Não era um cheiro ruim, mas considerando o fato de que eu não havia tomado café e perdi quase toda a energia correndo para não perder a aula, aquela amargura fez revirar meu estômago.
Park Jongseong.
Recomponho-me lentamente, um pouco zonzo.
Passado o efeito da tontura me permito analisar sua composição.
Não gosto de assumir, mas Jay entende muito bem o que faz. Não é à toa que seu nome ecoa mesmo fora da escola e ninguém ousa dizer ser apenas por conta de seu pai. Jay tem talento.
Certo. Ame a obra, odeie o autor.
Ame a obra...
Ame a obra.
Eu não podia acreditar que estava tocando algo tão maravilhoso. Era quase como se estivesse sentado nas nuvens. E não digo as nuvens que conhecemos, que se formam pela condensação da água. Mas as nuvens que são descritas em poesias.
Eu odiava isso.
Odiava que Jay conseguia sempre me proporcionar as melhores sensações porque eu simplesmente odiava ele. Não fazia sentido algum.
Como pode uma pessoa que eu odeio tanto me fazer tão bem indiretamente?
— Você gostou? — Ele pergunta orgulhoso.
Só então percebi que mantinha um sorriso em meu rosto durante toda a performance.
E é claro que ele não perderia mais uma oportunidade para me provocar.
Já falei que eu odeio Park Jongseong?
𒐮
Glossário e Curiosidades
Hemáceas: células que compõem a série vermelha do sangue, também chamadas de glóbulos vermelhos. São compostas por globulinas e hemoglobinas, que conferem a cor vermelha ao glóbulo.
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SINESTESIA | jaywon
FanfictionJungwon possui uma rara condição neurológica na qual seus sentidos são embaralhados, o permitindo, por exemplo, sentir cheiro em emoções, escutar aromas e ver cores em músicas. Ele nunca fora com a cara de Jay, e odiava o fato da voz do garoto ter...