Eu não sabia o que esperar desse encontro com a deputada Athena Campos, mas tinha certeza de que não seria fácil. Quando ela começou a falar sobre "buscar soluções que não envolvam mais sangue derramado", senti a familiar frustração crescer dentro de mim.
Essas pessoas viviam em um mundo de fantasia, completamente desconectadas da realidade brutal que eu enfrentava todos os dias.Ela continuava a falar sobre investir em educação e criar oportunidades de emprego, como se essas fossem soluções mágicas que resolveriam todos os problemas da favela. Eu já tinha ouvido essas ideias idealistas tantas vezes, sempre de pessoas que nunca colocaram os pés em um campo de batalha.
Quando perguntei se ela já havia visto o terror nos olhos das pessoas durante uma operação, era mais uma tentativa de fazê-la entender a gravidade da situação. Claro, ela respondeu que havia crescido em uma comunidade e sabia o que era viver com medo. Mas isso era diferente. Ela nunca tinha estado lá, no meio do fogo cruzado, tomando decisões de vida ou morte a cada segundo.
Ela queria me convencer de que a violência policial só aumentava o medo e que havia outras maneiras de combater o crime. Aquelas palavras soaram vazias para mim. Era fácil falar sobre soluções pacíficas quando você não estava no front, quando não estava enfrentando traficantes armados até os dentes, prontos para matar qualquer um que se interpusesse no caminho deles.
Tentei explicar que as soluções dela eram de longo prazo, que não tínhamos o luxo de esperar décadas para ver resultados. As pessoas estavam morrendo agora, e eu precisava protegê-las agora. Mas ela não queria ouvir. Estava presa em suas utopias, incapaz de ver que, sem segurança imediata, não haveria futuro para essas comunidades.
Quando mencionei o custo alto das nossas operações, sabia que isso não a convenceria. Pessoas como Athena preferiam ignorar a realidade dura e fria. Elas não viam que, para cada vida inocente perdida, dezenas de outras eram salvas. Era uma matemática cruel, mas era a realidade. Ela continuava a falar sobre soluções humanas e tratar a raiz do problema. Isso só me fez rir, um riso seco e sem humor. Os traficantes não entendiam "soluções humanas". Eles só respeitavam a força. E era essa força que eu precisava usar, se quisesse fazer alguma diferença.
Ela perguntou se estávamos condenados a repetir os mesmos erros. A resposta era óbvia para mim. Sim, estávamos. Porque o mundo real não era um conto de fadas onde todos viviam felizes para sempre. Era uma guerra, e em guerra, você faz o que precisa para sobreviver.Quando ela saiu do café, senti um alívio misturado com frustração. Eu sabia que ela continuaria a lutar por suas crenças, e eu continuaria a fazer o que achava necessário. Não havia terreno comum entre nós, apenas uma batalha interminável por um Rio de Janeiro mais seguro.
E enquanto essas pessoas idealistas continuassem a tentar impor suas visões utópicas, nós, que estávamos na linha de frente, continuaríamos a pagar o preço. Eu odiava essa desconexão, essa falta de entendimento sobre a realidade do morro. E, acima de tudo, odiava saber que, enquanto eles falavam, nós morríamos.
Quando finalmente cheguei em casa, sentia o peso de mais um dia exaustivo nas costas. Não apenas pelas operações no campo, mas também pelas críticas incessantes que recebia da imprensa e nas redes sociais. Eu sabia que minha postura não era popular entre os políticos e os defensores dos direitos humanos, mas não podia me dar ao luxo de me importar com isso. Estava tentando salvar vidas, e a realidade nas favelas não permitia meias-medidas.
Deixei o casaco e o distintivo sobre a mesa e me joguei no sofá, tentando relaxar por alguns minutos. Mas a paz durou pouco. O telefone tocou, o número no visor mostrava que era o chefe da PMERJ. Suspirei, sentindo a tensão voltar antes mesmo de atender.
— Nascimento falando.
— Capitão, preciso de você na central amanhã cedo. Temos uma situação urgente que precisa ser discutida. — A voz do chefe era firme, mas havia uma ponta de preocupação que não passou despercebida.
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O abismo entre nós - Capitão Nascimento
ChickLitAthena Campos é uma jovem e idealista deputada estadual do Rio de Janeiro, conhecida por sua postura firme e discursos apaixonados contra a violência policial e as injustiças sociais. Seu carisma e integridade lhe renderam muitos admiradores e també...