001.

262 36 3
                                    

Se tinha uma coisa que me tirava a paciência ― além de tudo, como várias pessoas do meu convívio diriam ― era estar presa no trânsito enquanto o sol raiava. Acordava no mesmo horário, talvez mais cedo, do que muitos ali, mas mesmo assim sempre parava no mesmo trecho irritante de engarrafamento do Rio de Janeiro. Não que a minha cidade natal fosse melhor do que isso; sou paulista. Da Capital de São Paulo. Então, provavelmente, a situação deveria estar tão ruim quanto lá.

Ainda sim, meu chefe estava sempre muito bem avisado de que se eu chegasse atrasada, a culpa não era exatamente minha. E vai por mim, eu nunca havia levado uma bronca sequer por conta dos meus atrasos. 

 Quando finalmente consegui me livrar daquele engarrafamento, o percurso restante até a DRE (Delegacia de Repressão a Entorpecentes) foi rápido. Sou delegada da Polícia Federal na divisão do combate ao crime organizado. O meu trabalho não é simples, mas é eficaz e prático, se ninguém me atrapalhar. E com atrapalhar, não me refiro especificamente ao retorno direto que as milícias fazem com a polícia, e sim quando outras entidades da polícia brasileira decidem meter o nariz onde não são chamados.

Até o momento, poucas vezes isso aconteceu, porque a Polícia Federal tem um jeito muito próprio de lidar com as suas questões e não deve satisfação a PM, por exemplo. De qualquer forma, eu ia descobrir logo que o meu maior inimigo não eram os traficantes do morro, e sim os meus próprios colegas de profissão.

Assim que parei meu carro ― um nissan kicks, vermelho ― no estacionamento da delegacia, desci. Estava com a minha bolsa na mão, que combinava com o meu conjunto social de calça e blazer, também vermelhos, além do meu salto preto. Coloquei o distintivo pendurado no pescoço e marchei até a entrada do local, já familiarizada com a bagunça.

 Pessoas andando de um lado para o outro, telefones tocando, papéis sendo revirados, portas abrindo e fechando e o insistente som de dedos digitando no teclado. Essa era a minha realidade todos os dias e, no fundo, eu gostava dela.

Passei por alguns funcionários da delegacia que me desejaram bom dia, e eu apenas retribui com um sorriso e um bom dia de volta. Podiam falar o que queriam de mim, mas mal educada eu não era. Não tinha vindo de família rica para achar que era melhor do que ninguém que estava ali, mas ainda sim eu mantinha a pose de arrogante perto de superiores, porque melhor que eles, eu com certeza era.

― Bom dia, doutora. ― Rosângela, uma das secretárias da delegacia e uma das poucas que eu podia chamar genuinamente de amiga ali, virou sua cadeira na minha direção.

 Ela não parecia exatamente feliz e deu pra perceber isso na forma como seu sorriso desapareceu rápido do rosto. Estranhei.

― Bom dia, Rose. ― cerrei os olhos na direção dela quando ela desviou o olhar de mim.

Foi, então, que eu percebi que muitos ali me olhavam e cochichavam. Alguma coisa tinha acontecido e, aparentemente, ninguém tinha coragem de me contar. Esperei para ver quem tomaria a frente e segui rumo ao escritório. "Letícia Lourenço, delegada federal", era isso que estava escrito na porta de vidro. Me orgulho disso.

Assim que entrei na sala, percebi que Rosângela me seguirá. Então seria ela a corajosa. Me acomodei na cadeira, atrás da mesa e logo liguei meu computador. A mulher ficou parada, olhando para mim.

― Que foi que 'tá me olhando com essa cara de pena, Rose? Alguém morreu? ― franzi o cenho, sem paciência para aquilo. 

― Não, doutora... Ninguém morreu... ― ela abaixou a cabeça novamente. O tom dela demonstrava que ela estava pisando em ovos.

― Então, o que aconteceu? ― retifiquei a pergunta, cruzando os braços em seguida e me encostando totalmente na cadeira.

― A operação de ontem...

Linha TênueOnde histórias criam vida. Descubra agora