Quando eu digo sobre as minhas atitudes impulsivas, é disso que estou falando. É sobre ir confrontar um Capitão do BOPE sem me importar com as consequências. É sobre entrar no carro e começar a dirigir feio louca pelas ruas do Rio de Janeiro, até chegar no bairro Laranjeiras, que fica há vinte minutos de distância da DRE. E mesmo que eu tenha dito tempo para pensar, a minha raiva não abaixou nem pouco, na verdade ela só aumentou.
Assim que embiquei o carro na portaria do batalhão do BOPE, logo abaixei minha janela. Entendo os procedimentos. Um dos soldados, com sua arma na mão, abaixou em frente a minha janela, franzindo o cenho.
― Sim, senhora?
― Me libera, por favor. ― fui tudo o que eu pedi. Se ele fosse competente, não iria fazer. Eu sabia disso.
O homem pareceu ficar confuso, ergueu novamente seu corpo e olhou para o companheiro. Eles tiveram uma discussão silenciosa e pareceram chegar a uma conclusão lógica. Logo, ele voltou a abaixar:
― Só pessoas autorizadas entram, senhora.
― Soldado ― olhei para frente e ergui meu distintivo da polícia para ele. ―, delegada da Polícia Federal, me deixa entrar!
Ele demorou alguns segundos para responder:
― Bem-vinda ao BOPE, senhora! ― o homem voltou a erguer o corpo e abriu a guarita para mim, me deixando passar.Estacionei em qualquer vaga que tinha por ali e desci do carro com a mesma raiva que entrei. Andei rapidamente até a entrada do batalhão, onde um outro policial de farda preta me aguardava, em posição de respeito.
― Bom dia, senhora delegada. O que o BOPE pode fazer pela senhora? ― seu tom de voz era sério.
― Quero falar com quem 'tá responsável por aqui hoje! ― se eles funcionavam sob ordens, então eu ia começar a dar ordens.
― Sub-comandante Carvalho está em reunião, senhora!
― Eu espero! ― sorri forçadamente e passei pelo homem, entrando no prédio e vendo ele andar pelo corredor à minha frente. Provavelmente iria avisar o tal Carvalho que eu estava ali e queria vê-lo.
Me mantive de pé e peguei meu celular para ver se tinha alguma mensagem. E tinha, como sempre. Depois de alguns segundos, levantei a cabeça para ver de onde vinha o barulho de carro. Era um daqueles camburões do BOPE, com o símbolo da caveira estampado na lateral. De dentro do automóvel, saiu alguns membros do batalhão e por último, eu não poderia deixar de reconhecer, ele. Capitão Nascimento.
Com sua farda preta, boina, coturnos pesados e fuzil na mão, ele realmente carregava consigo uma aura intimidadora. A carranca fechada também não ajudava. Mais uma vez, se eu não soubesse me controlar, teria ido até ele dar alguns gritos, mas eu estava ali para falar com seu superior. Mal percebi o que o encarava obsessivamente, quando ele me encarou de volta. Suas orbes penetraram qualquer defesa minha, mas ele estava longe demais para perceber.
E por alguns segundos, eu percebi que poderia ficar ali para sempre. Apenas observando seus movimentos. Sem mover um músculo. Entretanto, a voz do outro soldado que havia falado comigo me tirou do transe e me trouxe para a vida real.
― Delegada. O subcomandante vai te ver agora.
― Obrigada! ― sorri levemente e andei pelo corredor que me foi indicado, sem olhar para trás. Não queria correr o risco de cruzar com os olhos de Nascimento novamente.
Assim que cheguei em frente a sala do subcomandante, entrei sem bater. Essa era uma tática que eu havia incorporado quando queria chamar a atenção e fazer a outra pessoa se surpreender. Eu queria mostrar que não estava ali para respeitar nada e nem ninguém. O homem à minha frente se levantou rapidamente, esticando a mão em seguida. Ele pareceu incomodado com o fato de eu não ter batido, mas mesmo assim foi educado.
― Subcomandante Carvalho, certo? ― ele assentiu diante da minha pergunta. ― Letícia Lourenço, delegada da polícia federal, divisão do combate ao crime organizado. ― apertei a mão dele com firmeza.
― No que posso te ajudar, delegada? ― assim que soltamos as mãos, ele voltou a se sentar e eu permaneci de pé.
Soltei um suspiro longo antes de falar:
― A operação do Morro da Babilônia não está a cargo do BOPE, Capitão. ― cruzei os braços e ele franziu o cenho. ― Ela é minha! Então eu quero que o senhor tire o seu batalhão de lá para que eu possa dar continuidade ao meu trabalho.
Meu tom era arrogante. Sabia disso. Mas com esse tipo de gente não se fala de outro jeito, principalmente se você é mulher e vem fazer um "showzinho" sobre alguma indignação sua. Ou mostra que vai mandar eles, ou eles mandam em você. É bem simples.
Carvalho pareceu rir apenas com os olhos. Entendem o que quero dizer?
― A operação de ontem não foi a mando meu, delegada. 'Tava tudo a cargo do Capitão Nascimento.
― Eu sei. ― me sentei na frente dele, em uma cadeira de estofado macio. ― Mas o Capitão Nascimento responde ao senhor. ― cruzei as pernas. ― E eu não vim aqui falar com a ralé do BOPE, Capitão. Eu vim falar com quem manda!
― Delegada. ― ele parou alguns segundos. Parecia absorto com meu tom imprudente. ― O meu Capitão não é a ralé do BOPE.
― Se o senhor acha... ― dei os ombros. ― Então, temos um trato, não é, Carvalho?
― Eu não mando sozinho aqui, mas posso ver a questão da senhora.
Apenas concordei com a cabeça, sorrindo falsamente para ele.
― Ótimo! ― me levantei rapidamente. ― Aguardo a retirada do seu batalhão do meu posto de trabalho!
Foi a última coisa que disse, antes de abrir a porta da sala e sair dali rapidamente. Entendam, com pessoas igual ele ― ou com qualquer outro policial que usa uma farda preta e se acha a última bolacha do pacote ― é preciso ter pulso firme. Mostrar que não vai se dobrar só porque eles carregam fuzis de guerra e passam por um treinamento idiota.
Assim que pisei meus pés para fora da sala, dei de cara com quem menos queria. Capitão Nascimento estava encostado na parede oposta à porta, como se esperasse o momento em que eu iria sair. Ele levantou a cabeça e voltou a me encarar do mesmo jeito de antes. Intenso. Como se visse o fundo da minha alma.
Para não demonstrar o pingo de fraqueza que aquele homem me fez sentir, vesti a minha melhor carapuça: prepotência e estupidez. Olhei para Nascimento de cima a baixo, anotando mentalmente que sua farda estava perfeitamente no lugar, sem nenhum amassado sequer; e revirei os olhos em seguida. Não dei tempo para que ele pudesse puxar assunto ou contestar qualquer, apenas saí andando e tudo que consegui ouvir foi o som dos meus saltos batendo contra o piso de cimento queimado.
Se ele estava me encarando ou não, isso já não era mais problema meu. Mas eu ia colocar Capitão Nascimento no seu devido lugar.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Linha Tênue
FanficLetícia Lourenço, uma delegada da Polícia Federal, da divisão de combate ao crime organizado e repressão a entorpecentes, se vê envolvida numa relação de gato e reto com o conhecido capitão do BOPE, Capitão Roberto Nascimento. Tão arrogante, antiéti...