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Paulo Scheid. Médico. Insuportável. Não que eu fosse legal, reconheço muito bem os meus defeitos, porém acho muito mais proveitoso apontar o dos outros. Paulo é meu... Namorado. Se é que posso colocar assim. Estamos oficialmente juntos ― e com oficialmente eu quero dizer nos relacionando apenas um com o outro ― faz, mais ou menos, oito meses. A realidade é que eu não sei muito bem o porquê de eu ter me envolvido nisso. Veja bem, ele não é um cara ruim, só é chato.

Estar com Paulo foi aquele tipo de situação que eu fui empurrando com a barriga e quando vi estava indo conhecer sua mãe em um almoço de domingo. Não tenho nada a reclamar da senhora Fátima, ela é incrível, apesar de ter criado um filho bunda mole que não tem muito senso da realidade. 

Ainda sim, não posso dizer que é totalmente ruim estar com ele, porque eu praticamente mando em tudo. E eu gosto de mandar. Gosto muito.

Agora luto com a minha questão interna de não ter vontade alguma de responder às quinze mensagens que Paulo mandou contando como foi sua mais recente cirurgia ― como se eu não fosse ter que ouvir essa história toda de novo quando o ver. Para manter a minha vontade de escrever um "vai se foder" para ele sob controle, chamo Rose para tomar um café comigo em minha sala. É bom conversar com ela, distrai a mente.

Faz dois dias desde que eu fiz a minha cena no BOPE e desde então a minha vida tem sido ótima, para ser sincera. Foi como tirar um peso dos meus ombros e saber que não vou precisar mais me importar com esses caveiras. Trouxe até um café para Lacerda mais cedo, tamanha minha boa vontade ― o que é bem raro, diga-se de passagem.

 ― Mas eu acho que você tinha que passar uma tarde lá em casa. Eu fiz um bolo de cenoura para a minha filha que ficou divido, modéstia a parte. ― Rosângela estava sentada na cadeira em frente a minha mesa, enquanto conversávamos sobre as coisas banais da vida.

― Eu, com certeza, vou! ― assenti com a cabeça, terminando de digitar um documento no meu computador. ― Eu sou uma negação na cozinha. Você sabe, Rose.

― E ainda não acredito nisso! ― ela soltou uma risada, dando um gole no café que estava na xícara de estrelas a sua frente.

― Minha mãe tentou de todas as formas me ensinar a cozinhar, mas não deu certo. Hoje eu prefiro pagar para que alguém faça a minha comida ou pedir marmita, do que me aventurar no fogão e acabar colocando fogo na casa inteira! 

 Terminei de digitar e voltei às minhas orbes para Rose. Ficamos mais alguns minutos conversando animadamente, até eu ouvir dois toquinhos na porta. Pelo vidro ― que, na verdade, rodeava a minha sala inteira ― consegui ver que era Tobias. Mesmo que eu estivesse de bom humor, a minha cota de Tobias Lacerda já havia sido preenchida de manhã quando eu dei "bom dia" a ele. Não gosto de conversar mais do que o necessário, porque, assim como já devem ter percebido, ele me estressa.

Ele não esperou o meu aval para entrar, o que me deu uma pontada de ódio no peito. Não carregava nada em suas mãos; estranhei, porque normalmente ele só vem na minha sala me dar mais demanda e coisas para assinar. Apenas olhou para Rosângela e pediu com uma educação nada característica da figura:

― Rose, pode nos dar licença, por favor?

Gosto dessa cumplicidade feminina que tenho com Rose, porque a primeira coisa que ela fez, foi me olhar. Como se pedisse a minha permissão para realmente levantar e sair. Concordei com a cabeça e ela se despediu, saindo em seguida.

 ― O que você quer aqui, hein? ― e como se uma chavinha virasse instantaneamente na minha cabeça, meu tom passou de educada, para rude.

― Você conseguiu a atençãozinha que queria do BOPE. Parabéns, Lourenço! ― ele colocou as mãos no bolso da calça e começou a olhar a decoração do cômodo.

Linha TênueOnde histórias criam vida. Descubra agora