O festival das memórias

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Desde pequena, sempre procurei pertencer a algo. Minhas fantasias e brincadeiras eram meu refúgio, um mundo onde eu podia ser quem quisesse, sem as limitações e crueldades do mundo real. Esse mundo, tão diferente do que eu acreditava, era cruel, e eu sempre evitei ver esse lado dele. Preferia me perder nas minhas ilusões, onde tudo era possível e a dor não existia.

Tudo mudou naquele maldito dia. O salgueiro, com aquelas folhas prateadas ao vento e seu ar místico, decidiu chamar meu nome. O oráculo, com sua voz misteriosa e imponente, determinou um futuro cruel para uma pequena criança sonhadora como eu. A partir daquele momento, a escuridão tomou conta da minha vida. Minhas fantasias foram arrancadas de mim, e durante meses, eu sonhava repetidamente com aquele acontecimento.

"Aurora, olhe para o meio, o oráculo é seu destino", dizia a voz. Parecia que o ar estava enfeitiçado. Não consegui conter minha atenção, que foi tomada pelo salgueiro encantado. O oráculo, com sua presença hipnotizante, mostrou-me uma visão do meu futuro: sozinha, sem pertencer a lugar algum no mundo. Era o meu maior temor se tornando realidade.

A partir daquele dia, minha vida mudou drasticamente. As cores vibrantes das minhas fantasias desvaneceram, dando lugar a uma paleta de tons sombrios e frios. A realidade, antes evitada, agora se impunha com toda a sua força. Eu me sentia perdida, sem rumo, tentando encontrar um novo sentido para minha existência.

—Aurora, querida, venha para a mesa comer para irmos ao festival.

— Já vou, mamãe.

Hoje faz exatamente 7 anos desde aquele dia fatídico. Eu, minha irmã Ayla e Emma, a garota que conhecemos no festival, decidimos manter em segredo nossa fuga ao salgueiro. Ayla mudou bastante depois daquele dia. Ela costumava ser teimosa, mas passou a seguir regras rigidamente. Não conversamos sobre isso, pois é triste para mim conversar sobre como me tornei uma garota comum, sem a mesma imaginação de antes.

— Temos mesmo que ir hoje ao festival? Vamos todos os anos...

— Querida, é a tradição. Somos uma das famílias que mais organizam esse evento no Povoado. Seria um grande desfeito — respondeu mamãe. — Ayla, levante-se, querida! — gritou.

— Já estou arrumada, apenas não estou com fome — disse Ayla, surgindo na sala.

— Onde está o papai? — perguntei.

— Seu pai teve que sair na frente, querida. Encontraremos com ele em frente à loja de artefatos.

E assim seguimos até o festival, que me dava calafrios todos os anos. As lembranças daquele dia sempre voltavam à tona, trazendo consigo uma sensação de desconforto. Cada ano é como uma tortura, mas este parece insuportável. Sinto-me, de alguma maneira, vigiada por algo relacionado ao salgueiro

— Ayla, você vai andar conosco? — perguntei, tentando esconder minha apreensão.

— Não, combinei com a Helena de ir com ela ao lago.

— Seremos só eu, você e o papai então — disse, sorrindo para mamãe.

Eu e Ayla acostumávamos a ser inseparáveis. Sinto saudades de quando brincávamos juntas. Nossos pais achavam que seríamos confidentes para sempre, mas Ayla sempre foi mais sociável e preferiu seguir a vida de popular, sempre rodeada de amigos, totalmente o oposto de mim.

Enquanto caminhávamos pelas ruas enfeitadas do festival, eu observava as pessoas ao redor. As risadas, as músicas e as luzes coloridas contrastavam com a escuridão que eu sentia por dentro. Era difícil fingir que tudo estava bem, mas eu sabia que precisava manter as aparências.

Ao chegarmos à loja de artefatos, papai nos esperava com um sorriso no rosto.

— Minhas meninas! — exclamou ele, abraçando-nos. — Vamos aproveitar o festival!

Tentando afastar os pensamentos sombrios, decidi me concentrar no presente. Talvez, apenas talvez, eu pudesse encontrar um pouco de alegria nas pequenas coisas. O festival, apesar de tudo, ainda era um momento divertido, onde sonhos e realidades se misturavam.

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