Uma enorme estrutura sustentada por vigas e coberta por lona fora montada ao centro da vila. Era um local amplo, sem paredes, permitindo que a carne ali fosse assada sem que o aroma reconfortante das especiarias se tornasse incômodo. Diminutas lanternas de vidro púrpura entremeando-se às pilastras de carvalho, enquanto os tapetes e poltronas dispostos sobre o estrado iluminavam-se no tom de ouro advindo das brasas.
Em contraponto à corte de Ultor, na qual Yang Jungwon nascera, o clã da Beleza não era um povo diuturno. Talvez porque seus encantamentos precisassem ser proferidos sob o Crescente de Cytherea ou porque à noite animais de rapina iniciavam seus rituais de caça e derramamento de sangue - reverberações da pilhagem criando ecos na floresta que se convertiam em uma canção primitiva.
O jantar há muito já havia sido servido, mas algumas pessoas ainda estavam ali, fartando-se de carne, conversando de forma bem humorada.
Sentando-se com Jongseong em um sofá, Jungwon fingiu debruçar-se para pegar uma das almofadas dispostas sobre o tapete, apurando então os ouvidos, tornando-se alerta a qualquer vestígio de um segredo em meio ao riso do povo da Beleza que de algum modo pudesse interessar a seus superiores na corte de Ultor.
Sentiu então quando seu hyung lhe agarrou pela parte interna do joelho esquerdo, puxando-o para perto de modo que a perna de Jungwon ficasse sobre as suas e eles tivessem que se acomodar melhor no sofá. Jongseong estendeu o braço sobre o encosto, quase envolvendo o cônsul em um abraço.
Jungwon não o contestou. Compreendia o que havia entre eles, ainda que o sacerdote da Beleza não pudesse fazê-lo.
Ali, entre povo da deusa, jamais havia sido cogitada uma união de dois homens ou duas mulheres. Algo em que muito se diferiam dos dragões do Leste, para os quais aquilo era comum.
Mas Jongseong e seu clã não tinham como saber, não quando Jungwon ou a diplomata antes dele tão bem haviam guardado o segredo sobre as crianças de Ultor que nasciam do mesmo modo que as águias do Sul. A partir do acasalamento não só das pessoas, mas dos dragões que compunham seu fragmento de alma.
Por isso não lhe espantava que seu hyung gostasse tanto de abraçá-lo, sobretudo por trás. Não quando a tatuagem com a qual Jongseong nascera estava cravada no ombro esquerdo. O lindo Ilang, de escamas alvas e barbatana violeta.
Também compreendia que ele tomasse a liberdade de segurar sua coxa, acariciando-a da forma distraída como fazia agora. A tatuagem de Annchí estava nela, em azul celeste e um tom suave de mel.
Servindo-se da carne que havia pego, Jungwon de propósito deixou que um som satisfeito lhe escapasse, franzindo o nariz em um gesto implicante quando seu hyung lhe encarou. Jongseong devolveu o gesto, quase sorrindo enquanto também mastigava.
Era algo também involuntário fazerem aquilo quando seus olhares se encontravam. Seus rostos se convertendo em uma caretinha boba enquanto erguiam o queixo, provocando um ao outro sem nada dizerem. Kim Sunoo por isso os chamando de insuportáveis, cheios de pequenos segredos não compartilhados a não ser um com o outro.
Não era verdade, Jungwon não escondia dos outros mais do que escondia de seu hyung e Jongseong muito deixava de contar mesmo a ele.
Apenas de algum modo sabiam que se olhassem para o lado o outro estaria olhando de volta.
Viu o mais velho parar de comer e presumiu que ele iria finalmente falar-lhe o que quer que não pudesse ser do conhecimento de Sunoo e Sunghoon. Os dedos do diplomata indo de imediato para o pano que pegaram sobre a mesa servida com grãos cozidos e saladas viçosas pois estavam sujos da gordura do alimento e talvez seu hyung precisasse ser tocado para se tornar suscetível a lhe contar mais do que tencionava.
Cabelo louro e curto, franja que quase atingia seus olhos castanhos e um rosto tomado por seriedade que Jungwon achava particularmente uma gracinha compunham a criatura à sua frente. Corpo ereto. Face agora já não deixando entrever qualquer indício de uma emoção.
Jungwon cruzou os braços e arqueou uma sobrancelha, impedindo que um sorriso lhe rompesse a face enquanto com um movimento de seu queixo fez sinal para que ele começasse a falar.
O sacerdote retirou algo da manga de seu hanfu e lhe entregou. Um pergaminho com o selo dos dragões do Oeste.
- É imperioso que esta correspondência chegue o mais breve possível até os príncipes de Ultor.
Jungwon sabia que havia meios de ler o conteúdo daquele documento sem ter de romper o selo, no entanto gostava da ideia de tentar arrancar algo de Park Jongseong. Quando seu hyung se tornava emocionalmente distante, era sempre aprazível perscrutar o rosto inexpressivo dele em busca de algum átimo de perturbação. Por vezes, provocá-lo fazia a alegria de seu dia.
- O que há nela de tão urgente, sari? - e viu o modo como Jongseong inspirou enquanto suas pálpebras se tocavam demoradamente ao ser chamado de "ranzinza" no dialeto usado pelos dragões de Ultor e pelos lobos nômades da planície.
- A resposta para o nosso problema em comum - um tom que não deixava espaço para dúvidas quanto ao problema a que ele se referia. A doença. Algo que antes acometera a um ou outro dragão em esparsos períodos de tempo, como se o azar sorrisse para uma vítima aleatória de vez em quando. Um acontecimento que fazia com que os outros dragões sadios deixassem de tomar sua existência eterna como algo certo e olhassem mais para o tipo de sentimento e comportamento que cultivavam.
Era como se a deusa e o deus permitissem que algum desgarrado fosse usado como exemplo de modo a educar os outros quanto ao policiamento de suas ações. No entanto, isto tinha mudado drasticamente nos últimos anos, e não havia oração ou sacrifício que chegasse aos ouvidos divinos de modo a apaziguá-los ou fazer com que se compadecessem de seus súditos.
A deterioração de suas almas, que antes ocorria com a mesma frequência com a qual árvores floresciam no inverno, agora chegara em um pico assustador de constância. Alguém adoecer tornara-se tão comum quanto o degelo de rios e lagos no início da primavera.
Sem que se soubesse o porquê, agora as mulheres adoeciam em maior contingente, Jungwon reparando que quase não se via mais moças ou senhoras caminhando livremente em Cytherea. As únicas que não tiveram sua alma deteriorada estavam assustadas demais para conviverem com os demais, preferindo o isolamento e profunda oração, agindo segundo a orientação dos sacerdotes.
- Partirei tão logo a aurora desponte - tranquilizou sua alma gêmea, tocando-lhe com a ponta dos dedos o ombro no qual Ilang estava tatuado. Sentindo como a pele tornava-se morna sob o tecido.
Vira, pela leve mudança no comportamento de Ilang em relação a Annchí durante o solstício, que ele e Jongseong já tinham sido atados em matrimônio. O dragão de seu hyung estava agindo como os fragmentos de alma faziam apenas após o enlace ter sido consumado. Aquilo deixando Jungwon em alerta, jamais permitindo que ambos alçassem voo juntos para evitar que o acasalamento ocorresse.
- Obrigado - Jongseong lhe respondeu, e a dor em seus olhos dizia que não estava agradecendo por mera formalidade política. Quando o sacerdote inclinou-se para frente, deitando a testa sobre a clavícula de Jungwon, o mais novo não se surpreendeu ao ouvi-lo sussurrar num tom desolado: - Não se machuque. Por favor.
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um conto sobre duas luas 🎐 jjk+pjm
Fanfiction[longfic em andamento] Jimin e Jungkook desejam mutuamente destruir-se, mas agora o clã de dragões do Oeste é persuadido a unir-se em matrimônio à corte de dragões do Leste para impedir que suas almas sejam deterioradas pela maldição que assola o po...