um

231 26 0
                                    

Kelvin Santana não era o melhor aluno do terceiro ano. Tampouco era o pior.
Era apenas um aluno, mas o que o fazia ser diferente? O que o fazia ser único?
Poderia perguntar à Petra e também aos irmãos Nando e Berenice, eles saberiam dizer porque Kelvin era um amigo ímpar.
Poderia perguntar também aos seus pais, Lucinda e Marino, que rasgariam elogios. Mas elogio dos pais valia mesmo?
Tudo bem que existiam pessoas capazes de dizer o que tornava Kelvin tão único assim.
Mas o próprio Kelvin não sabia dizer muito sobre si mesmo. Todo jovem de 18 anos recém completos sabia dizer quem era nesse mundo?
A única coisa que Kelvin poderia confirmar sobre si mesmo era que estava perdidamente apaixonado pelo irmão gêmeo de sua amiga. O dono dos suspiros de Kelvin se chamava Daniel La Selva e era um príncipe, não literalmente. Mas tratava Kelvin bem e era uma boa pessoa.
Tinham interesses em comum como jogos de videogame e... O que mais tinham em comum mesmo? Gostavam do bolo de morango da Angelina. Kelvin achava esse um ponto importante. Não é?
Bom, não podemos esquecer de mencionar que Kelvin era o mascote do time de futebol do Centro Educacional Nova Primavera.
O "Spring", como era chamado o mascote, era um gato branco até que bonitinho.
E Kelvin era o único que cabia dentro da fantasia. Não deu outra, ele já dava vida ao gato há 3 anos e os coordenadores estavam preocupados com quem seria o substituto de Kelvin quando este terminasse o terceiro ano, o que estava previsto para acontecer em alguns meses após as férias de verão.
E o que fariam no verão?
Essa era a pergunta que pairava na cabeça de todos os adolescentes daquela escola.
Afinal, verão era tempo de sair, de ver pessoas, frequentar lugares legais. Todo mundo só sabia falar no que iriam fazer no verão.
E não era diferente na casa dos La Selva.
Petra se jogou em sua cadeira, girando nela.
- E a gente pode ir no fliperama! - anunciou animada, balançando sua caneta com um pompom cor de rosa na ponta.
- Boa! - Berenice concordou - Parece que chegaram jogos novos, eu tô doida pra ir lá
- Agora é minha chance de te vencer no pacman, Kelvin - Nando falou apontando para o ruivo deitado de bruços na cama de Petra, balançando as pernas no ar.
- Ih, meu querido, pois vai continuar perdendo pra mim. Você sabe que eu sou o melhor
- É o que vamos ver - Nando semicerrou os olhos.
- Petra! - a voz de Irene soou no corredor - Pet... Petra! Você não está pronta ainda? Eu te falei que íamos sair - a mulher reclamou ao entrar no quarto, dando de cara com quatro adolescentes cuja única preocupação era o que fazer nos próximos dias e semanas.
- Mãe, eu não queria fazer compras hoje - Petra resmungou, girando na cadeira.
Irene coçou a testa.
- Minha filha, as compras que vamos fazer hoje são para nossa viagem das férias de verão
- Que viagem? - Petra virou a cadeira imediatamente na direção da mãe.
- Vamos para a Itália. Seu pai não queria dizer ainda, mas você está irredutível
- Como assim vamos pra Itália nas férias? Mãe, não! Eu quero ficar - Petra levantou, indo na direção da mãe, que deu as costas para a filha e saiu andando.
- Vai ficar sozinha? Porque todos nós vamos
- Eu fico com a Angelina
Os outros adolescentes no quarto ficaram parados como estátuas escutando o diálogo até onde foi possível ouvir, por conta da distância.
- É, galera, parece que nossos planos molharam - Nando estalou a língua no céu da boca e os três se levantaram, se preparando para irem embora.
Quando Petra e Irene começavam a discutir, não paravam tão cedo e ninguém gostava de ser a testemunha do embate das duas.
Berenice e Nando foram fofocando na frente enquanto Kelvin ainda terminava de guardar seus materiais de aula na mochila, demorando um pouco.
Quando saiu do quarto de Petra, deu de cara com Daniel saindo de seu próprio quarto.
- Oi, Kelvin - o rapaz só mostrou um sorriso que foi capaz de deixar Kelvin meio abobalhado.
Daniel tinha um sorriso muito parecido com o sorriso de Petra, mas a semelhança deles começava e terminava aí. Apesar de gêmeos, os dois não eram idênticos e pareciam muito mais serem bebês de gestações diferentes.
- Oi, Dani
- Já tá indo?
- É, a Petra e a dona Irene começaram... acho melhor já indo pra minha casinha
- Topa uma partida de videogame?
- Pode ser... - Kelvin deu uma risadinha boba.
- Mas tem que ser só uma porque uns amigos meus estão chegando aí - Daniel sinalizou com a mão para que Kelvin entrasse em seu quarto.
- Convida eles pra jogar com a gente - Kelvin sugeriu após entrar no cômodo.
Daniel se virou para o mais baixo, uma expressão meio sem jeito dominava seu rosto, parecia desconforto.
- Humm... é, não sei se vai dar, não. Sabe o que é? Eles não gostam muito de videogame. Peço até pra você não puxar o assunto quando eles vierem aqui. Sabe, né? Pra eles não encherem muito o saco
- Ah, tá. Tudo bem, entendi. Nada de videogame quando eles chegarem. Na verdade, eu acho que vou embora bem antes. Vai ser só uma partida, né?
- É - Daniel sorriu, assentindo para confirmar.
Ligou o videogame caro, de última geração, vindo de fora do país diretamente para o quarto de Daniel.
E jogaram mesmo só uma partida.
Kelvin gostava demais de jogos de qualquer tipo, poderia passar horas só jogando.
Às vezes passava mesmo e era constantemente chamado atenção pelos pais por conta disso.
Mas quando os amigos de Daniel chegaram, o ruivo se sentiu deslocado.
Não por conta da idade, já que todos ali tinham praticamente a mesma idade, com apenas meses de diferença, mas sentia que ali não era seu lugar. As pessoas não pareciam notar a presença de Kelvin, quase como se ele fosse invisível.
E aproveitou esse "superpoder" para pegar sua mochila e sair do quarto de fininho.
Quando já estava no meio do corredor, ouviu uma voz atrás de si:
- Ei!
Kelvin se virou lentamente.
- Oi
- Já tá indo? - Daniel perguntou.
- Já, não posso voltar muito tarde e você sabe como é, né? Pai delegado e tal...
Daniel assentiu.
- Compreensível, mas não ia nem me dar tchau?
O sorriso que surgiu no rosto de Kelvin foi tão doce que nem uma grande dose de insulina conseguiria conter.
O garoto caminhou de volta até onde estava Daniel, na intenção de dar um abraço de despedida, mas parou quase bem perto quando o La Selva fechou a mão, levantando-a na direção de Kelvin.
- Ah... - Kelvin deu uma risadinha, envergonhado - Um soquinho
Fechou também sua mão e tocou com pouca força contra a mão de Daniel.
- Sabe o caminho, né?
- Sei sim - Kelvin ajeitou a alça da mochila no ombro, dando passos para trás - Tchau
- Tchau
Kelvin se virou e parecia que suas pernas tinham virado gelatina, provavelmente estava parecendo uma girafa bebê andando e tudo só porque Daniel estava olhando.
Quando virou o corredor, olhou de soslaio para ver se o rapaz estava mesmo o olhando e se sentiu um bobo ao ver que Daniel nem mesmo estava do lado de fora do quarto.
Deu um tapinha na própria testa e continuou andando pela casa chique da família La Selva, caminhando pela estrada até chegar em sua casa, onde também funcionava a pousada de sua mãe.

Até o verão terminarOnde histórias criam vida. Descubra agora