Cᴀᴘɪ́ᴛᴜʟᴏ 1 - O ɴᴀᴜғʀᴀ́ɢɪᴏ

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TOKYO

14 ᴅᴇ ᴀʙʀɪʟ ᴅᴇ 1912

Na noite do dia 14, Yuna leu até de madrugada na cama, por isso acabou acordando tarde na manhã seguinte, o que não era comum. Quando se levantou, escovou os dentes e penteou o cabelo, depois vestiu um kimono rosa e foi tomar o café da manhã.

Ao descer, achou muito estranho o silêncio da casa e não viu nenhum dos criados. Ao se aventurar pela copa, viu vários deles curvados sobre o jornal, que foi dobrado as pressas. Percebeu no mesmo instante que a fiel governanta, Momo, estivera chorando. Ela era muito emotiva, por isso qualquer história triste envolvendo animal ou criança a levava as lágrimas.

Yuna estava esperando uma dessas histórias quando sorriu e deu bom dia, mas, ao fazê-lo, Kobayashi, o mordomo, saiu do cômodo as pressas. Todos estavam muito estranhos.

— Céus... o que aconteceu? — Yuna olhou assustada para Momo e para as duas criadas. Notou então que todas estavam chorando e sem saber o porque, seu coração perdeu o compasso.

— O que está acontecendo? — perguntou, esticando por instinto a mão para pegar o jornal.

Momo hesitou por alguns instantes antes de lhe entregar o jornal. Yuna viu a manchete assim que o desdobrou.

O Titanic havia afundado durante a noite...

Era o novíssimo navio em que seus pais haviam embarcado na França, ansiosos por retornar ao lar. Os olhos de Yuna se arregalaram enquanto ela devorava rapidamente os detalhes impressos no jornal. Eram escassas as palavras, mas carregavam o peso de uma tragédia imensa: o Titanic havia naufragado, e os passageiros lançados em botes salva vidas, ficaram aguardando o resgate, enquanto o navio Carpathia da White Star Line, se apressava para chegar ao local na noite anterior. A matéria omitia informações sobre vítimas fatais ou sobreviventes, deixando apenas a suposição de que todos haviam sido resgatados a tempo. O enorme transatlântico, outrora considerado inafundável, sucumbira ao impacto de um iceberg.

A realidade havia superava qualquer absurdo imaginado.

Yuna, em um instante que pareceu se estender por uma eternidade, sentiu seus joelhos cederem sob o peso da notícia. O mundo oscilou e ela desabou no chão frio, como se a própria realidade estivesse se desfazendo. A escuridão a envolveu, a engolindo como um abismo faminto. O ar rarefeito escapou de seus pulmões e a consciência se esvaiu deixando apenas o eco do medo e da incerteza.

— Senhorita! — exclamou Momo, foi o último som que Yuna ouviu.


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Nos três dias seguintes, Yuna mergulhou em um abismo de desespero e dor. A fome a abandonou, e o sono se tornou um tormento. Cada vez que fechava os olhos, pesadelos sombrios a arrastavam para o naufrágio, onde as águas geladas envolviam seus pais e os afogavam em ondas dilacerantes. O desmaio a deixou a deriva entre a consciência e o vazio, e quando finalmente acordou em sua cama se sentia como um espectro preso entre mundos, dilacerada.

Não tinha forças para se levantar, nem razão para isso. As informações que chegavam, eram como punhais, a matavam violentamente. Os jornais noticiavam sobre corpos perdidos no oceano, já amigos próximos de seu pai escreviam cartas com informações privilegiadas que conseguiam. E no meio desse abismo de dor, a notícia que Yuna esperava chegou.

Apenas sua mãe, Priya, havia sobrevivido.

Seu pai perdeu a vida, pois durante o naufrágio ficou salvando mulheres e crianças, e no fim não conseguiu salvar a si mesmo. Porém... essa justificativa ainda não descia para Yuna, ela não acreditava que havia sido só isso, ela sentia que havia algo mais.


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Passada quase uma semana, sua mãe e alguns outros sobreviventes de famílias de Tokyo que estavam no Titanic, desembarcaram de volta no cais da capital, todos com suas almas aos farrapos.

A aparência de Priya era desoladora. Sua mãe, que sempre irradiava alegria, agora parecia um sol colapsado, uma estrela em seu último suspiro. As semanas que se seguiram foram um turbilhão de tristeza, luto e adaptação. O silêncio da mãe, a recusa em comer, em dormir, contribuíam para a sensação de desolação que pairava sobre a casa. O mundo perfeito de Yuna começava a ruir, mas não de forma sutil. Era um colapso brutal, como o estilhaçar de um espelho. A morte de seu pai, Toshihiro, foi o golpe final. A bolha de vidro que a protegia se estilhaçou, e Yuna seria arrastada para o mundo Jujutsu, que até então lhe era desconhecido. O conto de fadas havia chegado ao fim e a realidade sombria surgia.


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Ainda naquele mês, funerais dedicados as vítimas do naufrágio aconteceram em Tokyo.

Yuna ficou responsável por planejar o funeral do pai nos mínimos detalhes, seria tradicional de acordo com os costumes.

No dia do funeral, o aroma suave de incenso pairava no ar, envolvendo os presentes em uma névoa sagrada. A sala de tatame estava adornada com painéis de papel de arroz, delicadamente pintados com flores de cerejeira e graciosos caracteres kanji. A luz suave do sol da manhã se filtrava pelas janelas, criando padrões dourados no chão de madeira.

A família toda se reuniu em silêncio, Priya e Yuna; a mãe, pai e irmãos e irmãs de Toshihiro, todos vestidos em quimonos negros e cinzas, seus rostos expressando respeito e tristeza.

Um monge budista, vestido em trajes cerimoniais, entoava sutras em voz baixa. Os parentes acendiam incensos, e suas preces silenciosas se misturavam a fumaça perfumada. As mulheres da família usavam véus de gaze, escondendo suas lágrimas enquanto seguravam leques de papel. Yuna, não ousava mexer um músculo se quer, pois se o fizesse desabaria escandalosamente diante de todos e mancharia o funeral de seu pai.

Após a cerimônia simbólica, todos se despediram.

No butsudan da casa de Yuna, havia um grande altar dedicado aos seus ancestrais, nele uma vela queimava em homenagem a Toshihiro. Yuna ofereceria incenso e orações diárias.

O naufrágio ainda era o assunto do momento, os jornais estavam recheados de histórias tristes e relatos chocantes. Estava claro para todos que muitos dos botes salva vidas haviam se afastado do navio quase vazios, carregando apenas passageiros da primeira classe, o que chocou o mundo. O herói era o capitão do navio Carpathia, que rapidamente se prontificou a resgatar os sobreviventes. Ainda havia pouca explicação sobre o porque de o navio ter afundado. Uma vez que atingiu o iceberg, não puderam impedir o naufrágio. Mas muito ainda se comentava sobre o motivo de o Titanic ter avançado pelo campo de gelo, mesmo depois de ter sido avisado sobre o perigo. Felizmente o navio Carpathia ouviu os apelos desesperados de socorro no rádio, se não fosse isso, talvez não tivesse restado nenhum sobrevivente.

Ainda naquele mês, Priya havia finalmente tido forças para falar do ocorrido, e confirmou os relatos de que Toshihiro ficou para trás ajudando mulheres e crianças, e de como foram honrosos seus últimos momentos. Ainda assim, Yuna sabia, pelo olhar de sua mãe, que havia algo mais e por mais que insistisse, nada obtia.

Embora mergulhada em tristeza e choque, a força de Priya era quase divina, uma chama inextinguível. Ela ressurgia como uma Fênix das próprias cinzas, renascendo com uma determinação feroz. A vida havia se esvaído de seus olhos, mas a chama interior reacendia. Para Priya, Yuna era agora sua única razão de viver.


Coração à Deriva - Jujutsu KaisenOnde histórias criam vida. Descubra agora