O u t o n o

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POV: SUNGHOON
CAP: o1

O outono bateu forte na Coreia do Sul naquele ano.

As árvores já não tinham mais folhas, a luz do sol ia embora mais cedo e o vento batia tão gélido que pedia um café quente da minha cafeteria predileta.

Bendito dia.

Eu não sabia que a vontade de um vanilla latte com calda extra de caramelo seria capaz de balançar minha vida daquela forma, mas foi no momento em que resolvi tirar uma foto do meu copo decorado que reparei um borrão o quão me chamou a atenção no fundo da foto. Um casaco de lã verde-oliva o qual aparentava realmente quente, daqueles que pareciam ser tricotados por mãos de uma idosa extremamente amorosa. Abaixei a tela do celular e busquei com os olhos a pessoa a qual estava usando aquele casaco e no momento em que bati os olhos nela, senti algo estranho no ar.

Era um rapaz extremamente concentrado em seu computador, os fios de cabelo longos estavam penteados para trás com alguns produtos de cabelo, mas ainda tinha alguns fios rebeldes que insistiam em cair sobre seus olhos. Seu rosto era quadrado e bem masculino e o nariz era exuberantemente longo, chegava a beirar a ignorância tendo em vista de que se tratava de um rapaz com traços asiáticos assim como a todos no país. Apesar da expressão neutra, os lábios dele formavam pequenas curvas arrebitadas nas pontas e naquele momento eu percebi que talvez aquela característica me lembrasse alguém.

Dei mais uma analisada despretenciosa, no formato dos olhos os quais pareciam grandes e redondos, as sobrancelhas grossas e franzidas, talvez eu só estivesse o achando atraente, mas por que é que algo lá no interior do meu cérebro gritava desesperadamente? Subi os olhos novamente para aquele nariz e um flash veio a minha mente.

"Senhor Shim"

Por alguma razão, aquele nariz era idêntico ao do pai do meu melhor amigo da infância, aquele que se mudou para um país estrangeiro e me deixou um buraquinho no coração o qual eu sabia que nunca havia preenchido. Me lembrei que, por pura curiosidade, havia procurado por "Jaeyoon Shim" nas redes sociais a alguns anos atrás e encontrei um rapaz extremamente parecido, havia um nome estrangeiro em sua bio, "JAKE". Me lembro de ter descido o perfil daquele rapaz e ver toda a sua vida registrada em imagens, ele estava vivendo uma vida maravilhosa na Austrália, pescando ao ar livre, montando acampamentos, saindo para beber com os amigos estrangeiros da faculdade e curtindo muito a vida. Nunca tive a real confirmação de que aquele poderia de fato ser o pequeno Jaeyoon, aquele que me carregava para grandes aventuras e me protegia dos trovões, mas me lembro de acreditar fielmente de que era ele, nem que fosse para sentir uma felicidade momentânea.

Não sei exatamente explicar o porque, mas senti uma vontade enorme de procurar por aquele perfil novamente, então assim o fiz. Joguei o mesmo nome no Instagram e tive a sorte de encontrar aquele mesmo perfil, desci um pouco o feed e vi que os traços haviam amadurecido, ele havia ganhado um charme de homem e a última foto postada era a de malas num aeroporto. Desci até uma foto do rosto novamente e busquei decorar na minha mente o máximo de detalhes possíveis e quando retornei meus olhos ao rapaz com casaco verde-oliva, pude comprovar.

Era o mesmo rapaz.

Talvez aquele fosse uma brincadeira bizarra do destino a qual eu não poderia explicar, e muito menos entender como eu havia chegado naquela conclusão com base na mais pura intuição, mas a primeira coisa que me bateu forte foi o sentimento de que talvez aquela fosse a minha chance escancarada de confirmar se de fato ele era o Jaeyoon que eu conhecia, o meu Jaeyoon. Claro, tudo aquilo poderia ser loucura da minha cabeça, algo que eu devesse tratar na terapia, afinal, quem ficaria por mais de dez anos esperando cruzar novamente com um amigo da infância? Eu achava meio patético de admitir, mas eu até carregava comigo aquele mesmo carrinho de brinquedo que ele me deu desde criança, era como um amuleto da sorte para mim.

Jaeyoon foi tão marcante para mim que eu sabia que talvez ele fosse muito mais do que só um amigo que fiz na infância, no fundo, no fundo eu sabia que na verdade ele era meu primeiro amor, tão avassalador e intenso que eu jamais fui capaz de esquecer. Sempre que ele enfrentava minha mãe para pedir para brincar eu o via como o príncipe encantado igualzinho ao dos filmes, como se ele tivesse um grande cavalo branco e uma espada para lutar por mim. Também arrumava todas as desculpas para receber atenção dele, pois eu sabia que ele era um garoto sensível e protetor e iria ceder se eu fizesse um pouco de manha. Eu fingia tropeços aleatórios só para ver ele preocupado e adorava cair e me ralar no pega-pega só para vê-lo voltar correndo para checar se eu estava bem.

Só depois de adulto que fui ter consciência da minha própria sexualidade, e em todos os rapazes os quais me aventurei eu sempre buscava um pouquinho de Jaeyoon, nem que fosse no cheiro, os gostos pessoais, o jeito que eles me tratassem ou ao menos num tracinho que fosse. Inclusive, talvez esse fosse o grande motivo pelo qual eu me mantivesse preso ao "relacionamento" (se é que eu poderia chamar dessa forma) com Lee Heeseung, afinal, ele tinha o nariz longo e exuberante e gostava de andar de mãos dadas.

Abri a bolsa e procurei pelo carrinho, sentindo uma intuição bizarra me dominar assim que bati os olhos naquele pequeno objeto. Eu deveria perguntar, eu queria perguntar, talvez aquela fosse a minha primeira e última chance.

Sequer me lembrei do café que estava esfriando no balcão, me levantei da cadeira e imediatamente senti minhas pernas amolecerem. Se fosse mesmo ele, o que eu diria? Como eu iria fazer aquela pergunta? Será que ele se lembrava de mim? Será que ele ao menos queria se lembrar de mim? Eu fui tão marcante quanto ele foi para mim?

Precisei respirar fundo antes de seguir caminho até aquela mesa e a cada passo que eu dava me sentia mais e mais tonto, minhas mãos começaram a suar frio, mas eu precisava superar aquela fobia social para não perder minha chance. Quando cheguei perto o suficiente, notei que não fui percebido, então tomei a liberdade de analisar um pouco mais, pelo menos para ter certeza.

Cabelos longos,

Olhos redondos,

Nariz longo,

Mãos...

Assim que bati os olhos naquelas mãos que digitavam no teclado do notebook, senti um frio gélido ao baixo ventre, sera que aquelas mãos eram as mesmas mãozinhas quentes e macias que apertavam as minhas nos dias chuvosos? Aquelas que bagunçavam meu cabelo para me provocar ou que me estendida uma colher recheada de sorvete de chocolate com baunilha que sempre me animavam.

Só havia uma forma de saber.

Com licença...

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