108 DIAS.

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P.O.V LENA LUTHOR

QUARTA-FEIRA, 1º DE MAIO

108 DIAS ATÉ EU PODER IR EMBORA

ALGUMAS PESSOAS NASCERAM para contar histórias. Elas sabem como descrever a cena, encontrar o ângulo certo, quando fazer uma pausa dramática ou pular detalhes inconvenientes.

Eu não teria me tornado bibliotecária se não amasse histórias, mas nunca fui muito boa em contá-las. Se eu ganhasse um centavo a cada vez que já interrompi algo que estava contando para me perguntar se tinha mesmo acontecido em uma terça-feira, ou se na verdade era em uma quinta-feira, teria no mínimo uns quarenta centavos, e isso é tempo demais da minha vida sendo desperdiçado por tão pouco.

James, por outro lado, não teria recebido um centavo sequer e teria audiência cativa.

Eu adorava especialmente quando ele contava a nossa história, do dia em que nos conhecemos.

Era fim de primavera, três anos atrás. Morávamos em Metrópoles na época, e apenas cinco quadras separavam o apartamento elegante dele, reformado em estilo italiano, do meu — uma versão desgastada e não exatamente chique do mesmo tipo de lugar.

Eu estava voltando o trabalho para casa e resolvi cortar caminho pelo parque, algo que nunca fazia, mas o clima estava perfeito. E usava um chapéu de aba molenga, o que também nunca fazia, mas minha mãe tinha me dado o chapéu de presente na semana anterior e eu achei que devia pelo menos tentar usar. E estava lendo enquanto caminhava — hábito que já tinha jurado deixar de lado, porque quase provoquei um acidente de bicicleta fazendo a mesma coisa uns dias antes —, até que de repente uma brisa morna fez meu chapéu sair voando por cima de um canteiro de azaleias. E aterrissar bem aos pés de James.

James dizia que isso tinha parecido um convite. E acrescentava, rindo, em um tom quase autodepreciativo: — Eu não acreditava em destino, até aquele dia.

Se foi mesmo obra do destino, então é razoável presumir que o destino não vai muito com a minha cara, porque, quando me abaixei para pegar o chapéu, outra rajada de vento o fez voar de novo — eu saí correndo atrás e colidi com a lata de lixo em que ele foi parar. Daquelas de metal, presas no chão.

Meu chapéu aterrissou em uma pilha de restos de lo mein e eu fui parar no chão, arfando, depois de ser atingida nas costelas pela borda da lata de lixo.  James descrevia a cena como “atrapalhada e muito fofa”. Ele deixava de fora a parte em que eu soltei uma sequência de palavrões em alto e bom som.

— Eu me apaixonei pela Lena no momento em que olhei do chapéu para ela — dizia James, sem mencionar os pedaços de macarrão que foram parar no meu cabelo.

Quando ele me perguntou se estava tudo bem, respondi: — Eu matei um ciclista?

James achou que eu tivesse batido a cabeça. (Não tinha, só não sei causar uma boa primeira impressão.)

Ao longo dos últimos três anos, James desencavou a Nossa História cada vez que teve uma chance. Eu tinha certeza de que ele iria mencioná-la nos votos da cerimônia de casamento e no discurso que faria na festa. Mas então veio a despedida de solteiro dele e tudo mudou.

A história virou para outro lado.

Encontrou um novo ponto de vista. E, nesse novo jeito de contá-la, eu não era mais a protagonista feminina. Em vez disso, me tornei a complicação insignificante que seria usada para sempre afim de tornar a história deles mais interessante.

Lena Luthor, a bibliotecária que James resgatou do lixo, com quem quase se casou e então dispensou depois da despedida de solteiro para ficar com Lucy Lane, sua "melhor amiga" "platônica".

Nem te conto - SupercorpOnde histórias criam vida. Descubra agora