Capítulo 1

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QUASE 24 ANOS DEPOIS

— Quais as expectativas para a temporada desse ano, Enzo? — A repórter faz a pergunta sorrindo abertamente. Joan conseguiu a entrevista exclusiva com o último campeão da Fórmula 1 a um mês e meio do início da próxima temporada, quando sequer se sabia onde ele estava até então.

— Extremamente altas, Joan. Minha nova equipe tem me ajudado muito na adaptação e o carro está se saindo melhor que o esperado em nossos testes iniciais. — Sonso do caralho.

Acredito que exista o direito de ser um sonso do caralho quando a coisa menos incrível que dizem sobre você é que seu nome te predestina a ser grande no mundo automobilístico por ser em homenagem a Enzo Ferrari. Entretanto, não significa que não me dê ânsia de vômito ver esse idiota na televisão.

Enzo continua a responder sobre o carro. A câmera está estrategicamente posicionada para enquadrar a repórter e ele, com o carro novo da equipe como plano de fundo com seu design impecável, que combina com o macacão do piloto. Quando a câmera foca nele o efeito é incrível. A relações públicas da escuderia e a faculdade de Jornalismo do câmera e da Joan estão de parabéns.

Quero poder dizer que Enzo ficou feio com as cores da escuderia, mas não. Elas parecem ter sido feitas para ele. Lian, antigo companheiro de equipe de Enzo, diz que ele parece um cosplay da Malévola usando o macacão preto com detalhes em verde-neon. Porém, eu vejo além, vejo a imagem que querem vender agora que ele está solteiro. Os cabelos castanhos cortados no estilo mauricinho criado pela vó, o maxilar quadrado digno de uma estrela de cinema e os olhos castanhos “cheios de emoções”... tudo isso, somado às cores que usa, faz pensar nos morenos sarcásticos de passado triste dos livros. Aqueles duros por fora, incompreendidos, que por dentro são encantadores.

É a jogada que eu teria feito se contratasse um piloto vira-casaca que precisa melhorar a imagem depois de abandonar a equipe que o tornou campeão logo após o pódio. Literalmente, ele pegou o troféu na última corrida, cuja pontuação garantiu que seria o campeão da temporada e premiado no fim de semana seguinte, e na coletiva anunciou a troca de equipe. Os donos da Atena Racing F1 Team sequer sonhavam que seu garoto de ouro os abandonaria, ainda mais depois de fazerem todas as suas vontades por anos. Foi um verdadeiro caos. As ações da Atena despencaram. Todos sabiam que era a última chance de não falirem após terem uma péssima gestão por duas décadas.

Maurizio, o chefe de equipe da Atena que estava ao lado de Enzo na coletiva, acertou um soco no seu agora ex-piloto, que caiu da cadeira igual um saco de batatas. Maurizio se encaminhou para a porta mais próxima, por acaso ao lado de onde eu estava, e parou, me encarando nos olhos com raiva, como se eu soubesse dessa ideia de jerico de Enzo. Não eram necessárias palavras para entender que Maurizio me achava uma traidora igual ou pior que Enzo. Todo aquele momento, aquela encarada... não deve ter durado mais do que dez segundos, mas pareceu uma vida. Então o chefe de equipe saiu, os repórteres vieram para cima de mim e não o vi mais.

— Agora, mudando um pouco para sua vida pessoal, os fãs estão curiosos sobre seu relacionamento com a também pilota Vitória Martins. Fotos foram deletadas, unfollows foram trocados... nosso Brangelina das pistas também acabou? — a repórter questiona, e preciso argumentar que está correta quanto a comparação entre casais.

— Sou muito grato a Vitória e aos sete anos em que ficamos juntos, mas sim, terminamos o relacionamento. Não foi como eu gostaria que tivesse terminado e nem planejado, mas a vida acontece e somente nos resta seguir em frente. Juntar os caquinhos, sabe? — A expressão do campeão é tranquila, mas triste, com a cabeça inclinada sutilmente e os ombros encolhidos levemente para parecer menor. O sorriso que dá é suave e saudoso. Um grande ator, tragam o Oscar para esse Patati.

Nice [Deuses das Pistas 1]Onde histórias criam vida. Descubra agora